ENTREVISTA com Maku Fanchulini e Pepa Plana - por Fernanda Pimenta

 


ENTREVISTA com Maku Fanchulini e Pepa Plana.


Por Fernanda Pimenta


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-GfXDpchVQY


Fernanda – Como foi a trajetória de cada uma de vocês? Como a palhaçaria chegou à sua vida?

Maku – que comece Pepa!

Pepa – Pela idade, pela idade. Eu na verdade não queria ser palhaça, para nada, para nada, não, não... Nunca imaginei ser palhaça nem por casualidade. Eu queria ser atriz dramática, muito dramática, e sim, eu queria ser artista no pior dos casos, mas atriz, e com essa vontade quando descobri que podia estudar isso foi um grande acontecimento, posso estudar teatro! E assim foi, estudei arte dramática, me formei, montei uma companhia de teatro e fiquei dez anos trabalhando como atriz. A primeira vez que coloquei a menor máscara do mundo foi em Paris com Ariane Mnouchkine no Théâtre du Soleil, não do circo, do Théâtre du Soleil. Foi um grande acontecimento, eu estava ainda estudando arte dramática e achava que era para enriquecer minha atriz, só que me, me alucinou foi como viajar em um carro 4x4, podia entrar onde eu quisesse! Só que mmm... Não, não, ficou só por isso. A segunda vez foi outro acontecimento para mim muito importante, foi a primeira vez que assisti uma mulher fazendo de palhaça, aaa! Que maravilha! Isso parecia muito com o que eu queria fazer no teatro, mas isso não era palhaço para mim, isso era outra coisa, essa palhaça maravilhosa era, é né, ainda é, uma grande amiga agora, que é Gardi Hutter. E tem uma terceira, né! Sempre tem uma terceira, eu continuei minha carreira de atriz e comecei a frequentar um espaço, uma ocupação artística onde aconteciam eventos culturais, artísticos e políticos, tinha uma mulher maravilhosa que ensinava palhaçaria, era, é Virginia Imaz, e era uma maravilha, palhaçaria política, livre, pensadora e combativa, e daí não teve volta atrás! Eu não escolhi ser palhaça, eu resisti, realmente resisti durante dez anos e no final venceu, venceu e quando por fim decidi que seria palhaça, soube que não teria volta atrás, não me preocupava fazer um espetáculo que eu não gostasse, faria outro e outro e outro e continuo fazendo espetáculos porque ainda estou procurando o espetáculo mais bonito da minha vida, mas também quando eu comecei me falaram “mas Pepa, mulher, sozinha no palco, para adultos, você vai morrer de fome! Aqui não tem mercado para isso” bom, a gente terá que inventar esse mercado, eu não me importava com isso de algum jeito com toda a euforia que existia nesse momento, nos anos 90, com palhaços e palhaças maravilhosos que faziam espetáculos teatrais surgiu o mercado. E na verdade agora, pensando em questão de espetáculos é muito mais complicado hoje que há 20 anos, realmente é muito mais difícil entrar em projetos ou programações teatrais hoje em dia, mas está tudo bem! Continuamos aqui!

Fernanda – Maku, por favor, sua vez.

Maku – Muito bom, bom, desde muito nova, aos 14 anos mais ou menos, eu brincava em casa falando que queria ser artista, que queria ser artista, tanto insisti, até que um dia minha mãe ia caminhando pela rua e viu uma escola de artes... Marciais! E pagou todas as mensalidades adiantadas. Bom hoje em dia sei me defender, coisa que não é ruim na vida, né? Não, bom, o primeiro que conheci foram os malabares por meio do meu irmão que conhecia alguém no bairro que tinha viajado, e fiquei apaixonada, comecei com os malabares até um momento, assim... o primeiro momento importante foi um encontro de arte de rua aqui na Argentina, algumas pessoas dessa época continuam até hoje, como o Chaco e outros artistas de rua, também tinha um grupo de mulheres, depois de ver isso algo mudou em mim, que vários anos depois percebi, me apaixonei pela liberdade, pela autonomia, do fato de não depender de ninguém, e de tudo o que eles geravam no público, bom, daí fui atrás disso, falei “isto”! Isto é o que eu quero pra mim! Mas também eu não pensava como palhaça, era como malabarista, artista de rua, mas lamentavelmente aqui na Argentina quando você trabalha na rua tem que fazer as pessoas rirem, porque neste tipo de rua, na praça de domingos né, que não tem nenhuma contenção, então inevitavelmente acontecia que além de entreter, divertir, estava na procura do riso né?! No começo era sem técnica porque só fazia malabares, só tinha visto rotinas de malabares de um vídeo VHS de uma convenção europeia que meu irmão tinha me dado, mas o que eu imaginava ou pegava dos artistas de rua daquela época, e bom era com muita coragem, de um jeito muito primitivo, comecei. Lembro-me uns meses antes tinha colado na parede do meu quarto um desenho de uma pessoa rodeada do público, eu não sabia mais o que fazer, era uma espécie de controle mental, todas as noites olhava essa imagem, respirava e falava, “bom, em algum momento vou chegar” e tinha isso como uma porta né? Como objetivo respeito aos malabares até que um dia me joguei como artista de rua e bom, foi uma viajem só de ida. A primeira vez que estive na praça, que tinha conseguido ficar 35 minutos com as pessoas me olhando, gerando coisas, e ainda voltei com dinheiro pra casa, alucinei! E daí comecei. E como chegou o assunto do humor, da minha palhaça... bom! Da palhaça que sou agora, que utiliza a palavra como último recurso, primeiro é a ação né, esse tipo de palhaça apareceu em um... Isto foi assim, comecei na praça na Argentina, depois conheci o Chaco, nos apaixonamos, sabíamos desde o primeiro dia que estaríamos toda a vida juntos. Fizemos a temporada na Argentina com o “Circovachi” e as temporadas pela Espanha, íamos de cidade em cidade, de festa em festa, como artistas furtivos fazendo nossos espetáculos. E a palhaça que sou agora... Teve outro momento que me marcou, foi indo pra uma cidade de Galícia, Chaco e eu em um carro (20:19) vermelho, que é um carro pequenininho alemão, com dois espetáculos ali dentro, mais nossas vidas e uma pata de presunto que tinha ganhado! Olhei pro Chaco com vinte anos mais do que eu e falei bom, eu tinha... Não sei... era muito nova naquela época tinha vinte e poucos anos, vamos estar toda a vida juntos, você é palhaço, eu também estou nessa, porque ainda eu não me reconhecia como palhaça, eu falava que era “excentricômica” ou “malabarista cômica” falei já que o Chaco, todo mundo conhece né, Chacovachi! Sua principal ferramenta é a palavra, eu falei tomara que me diferencie, vou trabalhar sem falar! Porque vamos estar toda a vida juntos e assim quero que seja, e bom, aí foi onde comecei a me diferenciar e marcar essa palhaça que sou eu. Depois, outro momento importante foi no festival Anjos do Picadeiro, no encontro né, porque não é um festival, no encontro Anjos do Picadeiro, organizado pelo Teatro do Anônimo naquele momento, com João que é um amigo, João Artigos, parceiro, uma hermosa pessoa, muito querido por todos nós, e bom, naquele encontro maravilhoso que me fez conhecer artistas e estar ali comendo e compartilhando a vida, os risos e as emoções e vendo espetáculos de artistas como Jango, Tortell Poltrona, Gardi Hutter, que a mencionou Pepa também, todas as meninas do teatro do anônimo. Pepa você foi, né? A gente nunca se encontrou... Mas tudo o que acontece nesse festival é maravilhoso, mágico, como uma utopia, os palhaços e as palhaças... e bom, aí me senti batizada! E a partir daí me chamei de palhaça! Mas o público começou a me chamar de palhaça antes de eu me reconhecer nessa palavra, que para mim era muito importante e mais com todas as coisas que estava vivendo, né? Meu companheiro também era palhaço, vendo quem é... bom e o que eu penso... também coincido com o que a Pepa falou, eu acho que com todo mundo acontece, bom não sei se todo mundo, mas coincido com a Pepa de que não é a gente que escolhe o que que ser, é a vida que nos coloca. Eu no começo estava longe de pensar em ser palhaça, a vida vai te colocando... é um pouco o destino e um pouco o que a gente decide perante ao destino, e estou feliz desta escolha, de ser palhaça nessa vida e mais neste momento. E aqui estamos agora, as três desde Cataluña, às 2h da manhã com Pepa, Fer nos reencontrando, disfrutando, viajando, que é o lindo desta profissão, né? Conhecer gente hermosa no caminho, bom, tem de tudo, né! Tem de tudo, mas eu fico com o legal!

Pepa – de comer bem, de viajar, das pessoas, é o presente do teatro!

Fernanda – vocês acreditam em um chamado do destino?

Maku – Sim, sim, aconteceu isso comigo. Antes de eu me reconhecer, o público já me chamava de palhaça. Agora com o tempo, quando às vezes me encontro com alguma pessoa que me pede conselhos ou algo assim, aconteceu da outra vez em uma oficina, em uma palestra, com uma menina que falava que queria ser palhaça, que tinha tentado, mas não sabia se ela podia ou não podia. E eu falei, olha, é uma questão de decisão. Depois, se você é boa ou ruim, ou se é iniciante ou não, se vai ser palhaça infantil ou para adultos, é outra coisa. Isso é o que tem essa profissão, a diferença de não sei... Um músico que tem que estudar, aqui é uma questão de escolha, qualquer pessoa que queira, pode ser, é só uma questão de decidir se você quer ou não quer.

Pepa – Referente a isso existe uma teoria, adoro essa teoria, não sempre estou de acordo com as teorias masculinas, não sempre. Às vezes não me servem como mulher e atriz, mas esta sim! É de Slava Polunin, que é um palhaço russo, maravilhoso, louco, louco! Diz assim “para quem é palhaço ou palhaça vai ser fácil, para a pessoa que não é, vai ser impossível”. Eu acredito muito nisso, não só no mundo dos palhaços e palhaças mas com a arte em geral, eu gosto de pintar, de ser pintora mas não é para mim. Sujo papéis, compro as cores mais bonitas, aquarelas, você não sabe a quantidade de pincéis que tenho na minha casa, e pinto! Mas não, é complicado demais para mim. Ou a pessoa que escreve, um escritor, uma escritora, é fácil para eles. No fundo tem o talento, um primeiro ponto de partida que tem que ser fácil, se não vai ser complicado demais. E assim é a arte, você nasceu com isso! Por quê? Sei lá! Nesse conto da vida a gente é cigarra e não formiga, temos esse papel de fazer rir, de fazer pensar, de fazer sonhar, de fazer refletir, de fazer passar bem. Mas não é todo mundo que pode fazer isto. Não todos tem essa capacidade, mas não é um milagre de deus, tem muito trabalho por trás. Qualquer pessoa que fica horas, dias e até noites sem dormir, mas não é dramático, é real, porque de todo o que podemos falar, escolhemos coisas que não achamos certas, coisas que nos preocupam, nossos grandes dramas, nossas grandes alegrias, nossas e das pessoas do mundo, e de tudo isso que se pode falar, escolhemos coisas pequenas, pequenas e sobre isso a gente trabalha, inventa... Até que um dia percebemos outro ponto de vista ou alguma coisa que não tinha visto antes. Como artistas, o que fazemos é ensinar ao mundo o que vemos, seja música, seja escritora, seja pintora, seja palhaça. Se não por quê? Para decorar? Não! Estamos aqui para algo mais profundo, para fazer pensar também... Acho...

Fernanda – alguma vez alguém já falou para vocês que vocês não podiam ser palhaças?

Maku – Quando eu comecei como palhaça, como artista de rua, malabarista, minha mãe, e meu pai mais ainda, falavam que não gostavam, que não achavam certo. Eu tinha 17, 18 anos, quando fiz meu primeiro espetáculo de rua. Fazia pouco tempo tinha terminado a escola, então era lógico que eles não gostassem, eu entendo. Hoje em dia sou mãe e acho que também não gostaria. Bom, agora não porque seria como beber um pouquinho do meu próprio caldo! Né? (risos) Agora estão acontecendo outras coisas com meu filho que tenho que aceitar e é um desafio. Me lembro do meu pai, que logicamente no começo teve muita dificuldade e não queria saber muito do assunto. Eu não me importava com as consequências. Meus pais viviam separados, eu morava numa casa de dois andares com minha mãe e tinha um espetáculo muito primitivo. Saía de casa com uma mochila grande e uma bolsa, pegava um ônibus para fazer uma apresentação de meia hora e passar o chapéu em uma praça. Esperava que minha mãe entrasse no banheiro para jogar a mochila pela escada e falava que estava indo ver minhas amigas, e voltava mais tarde. Os primeiros trabalhos que surgiram de noite nas boates também era a mesma historia. Mas eu queria, não me importava, estava muito convencida do que eu queria. No final, com o passar do tempo, eles acabaram aceitando e são felizes com tudo o que aconteceu. Isso foi minha experiência com a família, depois profissionalmente não, nunca aconteceu isso comigo.

Pepa – Eu também! Meus pais... Eu me apresentei nas provas de ingresso do Instituto de Teatro de Barcelona, escondida. Escondida dos meus pais, eu me apresentei achando que não ia entrar. Me apresentei e teria mais um ano para convencer eles de seguir no ano seguinte, mas eles não queriam nem saber. Coisa que eu agradeço muito, isso te reafirma. Quando já tinham assumido um pouco o de ser atriz, venho com a palhaça! E aí, como que... “mas não - minha mãe falava - ela não quer fazer teatro, ela quer ser mestra em teatro”. No bairro ela falava “não, não, ela está estudando para ser mestra de teatro”. Mas hoje são meus fãs número um. Eu, na verdade, agradeço muito que meus pais o fizessem tão difícil porque foi muito complicado lutar e trabalhar para poder estudar, e realmente neste ofício tem muita renúncia, porque nunca vai ser fácil. Então se do começo já é muito difícil e ainda assim você quer ficar, você esta doente! O vírus do teatro está em você!

Maku – O artista de rua, pelo menos aqui em Sul América, que já tem seu caminho, se você já tem um... Bom, agora estamos em um momento particular, né? Mas se você já tem seu espetáculo de rua e tem disciplina de ir todos os domingos a uma praça e fazer temporada de verão na Argentina logo você pode ser um profissional. Profissional é a pessoa que vive da sua profissão, logo você pode se profissionalizar, diferente do teatro. Uma coisa que fico para trás! Que lembrei agora! Meu pai é engenheiro e minha mãe contadora. Assim que imaginem, foi o pior que eu podia fazer e lembro-me que também primeiro falei “bom, para não ser tão forte vou entrar em Bellas Artes”. Estava estudando para prova de ingresso, mas eu era horrível desenhando. Um dia minha professora olhou pra mim e falou “não, isto não é para você logicamente” (risos)! Nessa época eu já fazia espetáculos na rua e contei pra ela, esqueci o nome dela, ela falou “vamos procurar escolas de teatro de rua”. Logicamente não achamos nada, não existiam. Aconteceu-me também que, com o passar do tempo, percebi que isso tinha sido bom. No começo foi bem difícil, bom, difícil não, mas... A primeira temporada de rua foi difícil porque eu estava sozinha, mulher, nova, sempre tinha alguém que falava “eu tenho que manter minha família, como você vai estar aqui trabalhando? Certeza que você mora com seus pais, né?” E coisas do tipo. Foi difícil a primeira temporada aqui na Argentina, mas isso me fez ser a palhaça que sou hoje, reafirmar.

Pepa – Como profissional, sim, as críticas vieram pelo gênero. Tipo, as mulheres não servem para fazer rir. Isso me falaram diretores de festivais de palhaços concretamente.

Maku – Na Europa? Isso aconteceu na Espanha, Pepa?

Pepa – Sim, sim automaticamente eu falo isso nos espetáculos. Tenho conseguido falar disso. Um senhor diretor, ainda bem que não é mais, do festival de palhaços de Cornela, ele foi diretor durante muitos anos. Este senhor sem nenhuma delicadeza me falou, “se na grande história do circo não teve mulheres palhaças, por algum motivo deve ser”. E Charlie Rivel falava que as mulheres, não prestamos para fazer rir. Tem um riso aceitado, a gente transgrediu no ofício, historicamente o oficio foi e é masculino; as primeiras “augustas” chegaram nos anos 70 do século passado. Eu falo que não tenho mães, só tenho irmãs maiores como referência. Não é que não tenha avós, é que não tem nem mães. Gardi tem 10 anos mais do que eu. Realmente o mundo da palhaçaria feminina é muito recente, e as críticas sempre são que as mulheres são bonitas, tem uma fragilidade e uma poética, mas não! O que faz rir mesmo são as piadas de homens (irônica).

Maku – É como em todas as profissões, né? É a temática do mundo do machismo, de tudo isso que estamos desconstruindo, eu acho que estamos num bom caminho, que ainda falta muito... Aqui acontece com um grande cômico da televisão, Olmedo, que todo o seu humor era machista, mas isso a gente reparou agora, é igual ao que você contou de Charlie Rivel. Era comum nessa época, não se pode julgar dentro desse contexto, era entendível. Inclusive acontece comigo até hoje em dia, cada vez menos, mas me encontro com pensamentos que são muito machistas! E estão tão impostos culturalmente, que ás vezes até uma mesma que é feminista, porque acho que todas as mulheres hoje em dia somos feministas, militando ativamente ou não, pelo simples fato de estar a favor de um direito humano, né? E mesmo assim acontece que me encontro inconscientemente e depois o penso de forma consciente e falo “nossa, estou pensando de um jeito machista”. Isto vai levar um processo e não vai ser de um dia pro outro, sinto que estamos indo no caminho. Como palhaça, na verdade nunca senti. Nunca tive uma experiência ou uma discriminação nesse sentido. Também acontece que meu caminho sempre foi... Menos no “Circovachi” que era com o Chaco, e todos meus companheiros já tínhamos outras ideias. Sempre fui sozinha e na rua, que tem riscos reais importantes, a rua é como uma selva. Sempre me senti mais uma, como um animal a mais na selva; depois, agora fazendo um análise, falei “olha, aqui teve machismo, e aqui também, e aqui também”. Mas sempre me senti como se não tivesse gênero, eu só queria isso e queria isso e não me importava com nada, nem quem estava na minha frente. Tenho me enfiado em cada “boca de lobo”, tipo com gente brava na rua, que não sei como tenho saído vitoriosa em varias situações. Deve ser porque tenho um anjo da guarda que me cuida muito.

Pepa – Um anjo da guarda estressado... Não, não, claro, isso do histórico... né? Obviamente que Charlie Rivel... porque a sociedade mesma, tipo, o humor é um código. Você ri do que você conhece e do que você não conhece, o código do humor como tantos outros tem sido escrito por homens. Então, se o lápis que escreve é masculino, o papel que se designa as mulheres é o de objeto, objeto que faz rir, a gorda, a feia, a tonta, porque faz rir todo mundo, quer dizer, todo o mundo masculino. As mulheres têm aprendido a rir deste código masculino, lógico que temos aprendido mais uma vez para não ser excluídas, porque se você não ri é porque você é tonta, não entendeu a piada, porque faz rir todo mundo. E temos rido de coisas que não tem nenhuma graça pra nós, mas como quero ser incluída e não parecer uma tonta, rio de coisas que não me causam graça. Por sorte, no momento, as mulheres estão com seus próprios lápis, escrevendo literatura e fazendo nossos próprios roteiros. E não rimos mais do que não gostamos e estamos atentas quando há uma atitude machista. E estamos começando a colocar todos os alarmes quando em uma programação de um festival não tem presença feminina. Muito macho, muito macho!

Maku – Aqui, há pouco tempo atrás, saiu a lei de gênero, em tudo, na música, culturalmente, e isso me parece maravilhoso. E começaram a aparecer muitas e muito boas.

Pepa – Óbvio.

Maku E cada vez têm mais palhaças. Eu no Brasil, pirei no nível do último festival que fui, como cresceu o movimento das palhaças, adorei!

Fernanda – Qual festival, Maku?

Maku – Nossa não me lembro. O último faz uns anos atrás, que era realizado pela Mafalda, não lembro o nome. Mas estavam as palhaças As Levianas, nossa, não lembro os nomes, mas eu adorei, a Nara é uma divina, uma cabeça, uma feminista tão clara e o humor que fazem... Adorei e ainda mais latino-americanas, adorei! Como está crescendo isso tudo, estamos no caminho e estamos cada vez mais organizadas. E é genial que não aconteça mais essas coisas como o que a Pepa contou, que venha um diretor falando que não podemos fazer isto ou aquilo, isso é terrível!

Pepa – Mas, mas... não é nunca ir em contra, a favor, sempre a favor, a favor até de ir em contra. Mas acho que a grande vitória tem que ser quando, nas pirâmides do poder, comecem a ter com normalidade também diretoras de teatro, diretoras de festivais, diretoras... Aí vai realmente existir um equilíbro, porque bendita seja a lei de igualdade de gênero, bendita seja! Mas ainda tem muitos homens que contratam mulheres e temos que estar alertas, porque a lei de igualdade de gênero também tem a ver com salários e horários, e as mulheres continuamos cobrando menos e nos colocam nos piores horários, mas bom! Estamos cada vez mais visíveis, mas eu já sou uma senhora maior (risos)! E já vou falando sim, sim, sim... Mas vamos ver!

Maku – Pepa você é uma diva, sempre que você vai a Canárias com o seu espetáculo e tudo, olha que horas são agora? São às 2am, eu acho que não teria aceitado estar aqui as duas horas da manhã acordada fazendo uma live, você está de bar lotado e rock and roll (risos)!

Pepa – Sim, sim, ontem cheguei de Portugal, de uma circulação. Eu não sei que horas cheguei não, mas fui dormir as 6am, estou com os horários trocados, pior seria a live às 7h da manhã. E estou bebendo chá... ahh não, se acabou o chá! Bom, não, não, na verdade não é chá!

Maku – Mentira! Fala que é whisky!

Fernanda – bueno! Vamos seguir adiante? Eu acredito que realmente o que acontece no meio da palhaçaria, esse caso desse cara que falou para você isso Pepa, possa ter a ver com a nossa sociedade, que desencoraja as mulheres a lutarem pelo seu espaço. Aqui no Brasil mesmo, eu acredito que tem um atraso (também pro resto do mundo nessas questões), aqui no Brasil só no ano de 1962 a mulher pôde trabalhar fora de casa sem ter que pedir o consentimento do marido ou do pai, então assim tem pouquíssimo tempo isso, né?

Pepa – é bastante geral sim, de que ano é a lei?

Fernanda – De 62, 1962.

Pepa – Eu acho que no estado Espanhol franquista foi ainda mais tarde, acho! Mas no Brasil tiveram uma presidenta de governo, em muitos países ainda não, isso faz diferença, na Argentina também tiveram presidenta.

Maku – Nós estamos com sorte agora do governo que temos, que segundo Bolsonaro, somos de esquerda. Mas não, é um governo social e ainda a vice- presidenta é uma mulher, hoje em dia ter uma líder politica mulher não é pouca coisa, por sorte estamos bem agora, né? No Brasil tudo o que tem a ver com esse tipo de direitos e políticas é verdade estão um pouco atrasados.

Pepa – Bom, sim, o sistema democrático, que é... É um bom sistema né, é um bom sistema, mas o voto de uma pessoa idiota também conta, e neste momento estamos... O homosapiens está repetindo o mesmo padrão que o neandertal, o neandertal se extinguiu porque escolheu líderes errados durante muito tempo. O homosapiens está seguindo o mesmo padrão.

Maku – Parece que sim, né? Menos na Argentina (risos), talvez os argentinos vivemos um pouquinho a mais!

Pepa – Argentina é sempre um dragão! Sobe, sobe e ooopaaa!

Fernanda – Então eu queria entrar um pouco nesse assunto, já que nós estamos falando da situação política, eu queria saber um pouco de cada uma de vocês como é a situação da mulher, as condições de vida das mulheres nos seus países, e ai eu queria fazer uma pergunta especifica pra cada uma, vou começar com a Maku. 

Maku, eu conheço a Argentina, já estive duas vezes em Buenos Aires, e nas duas vezes eu fiquei bastante impactada com a força política do povo, com a consciência política, porque eu saía e sempre tinha manifestação. Todos os dias tinha manifestação na rua, e eu fiquei muito impactada com isso, e aí, tendo em vista essa mulher argentina politizada: como é a condição de vida de vocês argentinas, tendo em vista também que agora vocês estão com um governo progressista, né? Ao contrario de vários países na América do sul, e incluindo o Brasil...

Maku – Sou palhaça, né? Não política, mas da minha visão particular que posso compartilhar o que aconteceu na Argentina é que... Menos as pessoas mais velhas, os jovens não estavam interessados na política, era tudo a mesma coisa. Não nos interessava, ou falávamos de anarquismo sem nem saber o que é o anarquismo, até que em 2000, que teve aquele problema onde passaram três presidentes em muito pouco tempo e no final chegou Nestor Kichner. A partir daí, em mim como em muitos jovens teve uma grande mudança, e tudo começou a se politizar, porque a gente parou para pensar pela primeira vez. E começamos a analisar as propostas políticas, antes a gente pensava que era toda a mesma merda, são todos corruptos; mas desde que chegou Nestor fez com que as pessoas se preocupassem mais com a politica. E começou a mostrar outras histórias que estavam ocultas e que a gente não conseguia enxergar, como os meios de comunicação, que na verdade não comunicam nada, muito pelo contrario; teve outro governo anterior que tentou fazer isso também, o governo de Alfonsin, mas não conseguiu, quem conseguiu foi Nestor, isso e um monte de coisas a mais. Isso foi uma grande mudança, mesmo tendo gente que estava em contra, o que ele fez pra mim foi muito interessante, foi este fenômeno de que todo se politizou. Lembro-me das férias, em uma dessas convenções aqui perto, acho que era Nestor ou já era Cristina, não me lembro... Mas me lembro de uma convenção na Argentina de malabares e circo, tinha vindo Tortell, com Montse e com Lu, sua filhinha, e alucinou porque era uma convenção de palhaços, de circo, e artistas de rua, que nos tempos livres falávamos de politica. E não podia acreditar, Tortell, falei pra ele, “bom o que está acontecendo está fazendo a gente refletir”, e a partir daí, lógico, tudo o que acontece socialmente e o que acontece com você como pessoa influencia diretamente na criação, né? As palhaças no nosso caso, era inevitável isso, o que a gente faz como prioridade, né? É entreter, divertir, procurar o riso, e depois a denúncia, a crítica, mostrar o que a gente enxerga do mundo, e a partir daí isso influenciou muito os artistas de rua.

Fernanda – tem uma cena muito bonita no seu espetáculo, a cena que você traz uma menina e você brinca com a boneca, muito bonita!

Maku – Tem gente que gosta, mas ainda tem gente que não gosta muito. Quando eu tiro uma Barbie, ela também tira uma Barbie, ás vezes falo algumas palavras sobre o machismo, que não queremos ser barbies e acabamos arrancando... O melhor é quando eu consigo que a menina pegue a boneca, e eu consigo sem muito esforço, a maioria dás vezes é sem muito esforço, as meninas estão aí! Quando elas vêem que podem arrancar a cabeça da Barbie são felizes por fazer isso; as meninas e os meninos hoje em dia tem uma cabeça genial, eu vejo isso nos meus filhos, como eles já vem desconstruídos com relação a todos esses assuntos.

Fernanda – Essa nova geração é surpreendente, né? Pepa, você é europeia e você vivenciou as ondas aí, a virada da primeira pra segunda onda do feminismo, não sei até que ponto isso chegou até você, mas vivendo em um pais europeu, evoluído, “de primeiro mundo”, e portanto com relações entre os gêneros supostamente mais equânimes. Como você vê a defasagem, o atraso, da discussão sobre os direitos das mulheres nos países em desenvolvimento como o Brasil, por exemplo, e esses países da América do sul? Como você vê essa defasagem para com a sua realidade na Europa?

Pepa – Sim, sim, bom, às vezes... Mmmmm... Obviamente eu vivi o feminismo, eu sou dos 65. Quando eu era jovem, muito jovem... Fui mãe solo, tenho um filho e me envolvi com as feministas mais velhas que eu. Nesses momentos, nos anos 80 não era moda, não era popular, nos anos 80 aqui tinha muita música, muita pose, mas o feminismo não. Inclusive chegaram até roubar nossa palavra, era tipo... Ah feminismo... São mulheres lesbianas, feias, gordas, caminhoneira, um monte de palavras desrespeitosas. Já falaram pra mim, eu era muito nova 18 – 20 anos me faram mas você feminista? Mas se você é bonita!... Eu acho que nesse momento existe uma euforia feminista, porque temos compreendido que o século 21 será feminista ou não será, mas eu me lembro de manifestações de 8 de março. Éramos muito poucas, não existíamos, não estávamos, e Europa pode disfarçar tudo o que quiser, mas o patriarcado está bem instaurado nos poderes, que é onde mais tem medo. Nesse momento todo o poder tem medo do feminismo, porque tem muito que perder, e o poder ainda está em mãos masculinas. Então, no momento antes das crises europeias, quando a gente fala de crise europeia eu acho que em latino América morrem de rir, porque devem pensar “esses tontos, o que poderão saber de crises”, né? Mas, aqui, no ano 2000, teve uma grande euforia econômica, o que trouxe muitas iniciativas femininas, com orçamentos maravilhosos, festivais de cinema de mulheres, festivais de teatro, de literatura. Tinha muito dinheiro destinado à arte, dava pra fazer grandes festivais, o festival de teatro de literatura, o festival de palhaças de Andorra, com um orçamento inimaginável hoje em dia. Realmente tinha muito dinheiro para fazer projetos, mas era tudo mentira, na primeira suspeita de crise econômica cortaram todas, todas...

Fernanda – Eu estou recebendo aqui uma informação de que algumas pessoas estão entrando no chat e colocando algumas questões desrespeitosas, e apesar de nós estarmos abertas para o debate, a gente está sendo invadida pelo que estamos percebendo aqui, por robôs.

Maku – Estamos sendo invadidas por robôs bolsonaristas, né?

Fernanda – Isso, e são muitos, são muitos robôs bolsonaristas. E a gente é tolerante com quem é tolerante, então com intolerantes não somos tolerantes, tá? Então estamos abertas pro debate. A gente só parou aqui para falar que a gente está bloqueando sim, porque são robôs.

Pepa – São robôs, são robôs!

Fernanda – Isso, isso. A gente tem mais uns 10 minutinhos, Pepa você quer

finalizar sua resposta?

Pepa – Sim, não, não, não... O patriarcado é um problema mundial, e obviamente em alguns países é mais complicado que em outros. Centro América é muito diferente que Argentina, e Argentina é muito diferente do Brasil, e se vamos ao mundo Árabe vemos como as mulheres estão se organizando, mas o machismo está dentro da religião e da política. Por sorte, em outras culturas aparentemente a religião já não é parte do Estado, mas obviamente o patriarcado é mundial e aqui na Europa, eu estou no Estado espanhol, não sou espanhola, mas estou dentro do Estado espanhol e é absolutamente machista.

Fernanda – Tendo em vista essa sociedade patriarcal que a gente vive, vocês acreditam que há diferenças nos modos de fazer palhaçaria entre homens e mulheres?

Maku – Sim, claro... Tem diferença, mas não acho que seja por ser mulher ou por ser homem. Eu gosto disso, ou pelo menos pensá-lo e percebê-lo, como se não tivesse gênero. Vai depender sempre do que você vivenciou como ser, como indivíduo, por exemplo, agora com esta euforia do feminismo que acho genial ainda que seja muito criticado, né? Ou que possam brincar com isso “na sua contra”, nossa olha que violentas que são! Ou que nazistas ou qualquer coisa que possam falar, faz parte do processo para poder chegar, para poder de uma vez por todas, que seja consciente, e mudar esta cultura... Essa coisa inconsciente que está tão profunda no sistema mundial; com esta euforia, inevitavelmente, o que a maioria das palhaças em algum momento, se você faz seu espetáculo e você está nisso, inevitavelmente vai acabar fazendo alguma coisa que tenha a ver com estes temas. Mas não acho que seja marcado que se você é homem tenha um estilo em particular e se você é mulher não, tem a ver com se você é branco, ou preto, ou se você é europeu, latino-americano, se você é gorda, negra, é lésbica.. vai fazer um determinado humor e baseado na prioridade. Se entramos mais no assunto do estúdio, dependendo do seu canal de comunicação, sabemos que a arte é comunicação e as palhaças acho que mais! Tem a ver com o canal de comunicação que você tenha como prioridade, ne? É o que eu estava falando a minha prioridade é a ação, depois o movimento, o gesto e o som, e por último a palavra, isso é um estilo.

Fernanda – Pepa vou aproveitar e te fazer uma pergunta a mais, o que é palhaçaria feminina para você?

Pepa – Da pergunta do humor masculino e feminino, sim, eu acho que tem diferença, mas as diferenças como disse Maku, podem vir de um monte de coisas, da sua educação, do seu local de nascimento, como estas coisas condicionam, também condiciona teu gênero. O ofício é o mesmo; pintar, os pinceis são os mesmos, mas o jeito que você vai criar você cria a partir de você, do que acontece com você, e o que acontece com você é que você tem peitos, talvez tem uma criança ou não, tem seu jeito de entender o mundo e tem uma maneira de rir da suas desgraças, dos seus traumas, e além disso eu acho que, bom, alguma sorte tínhamos que ter. Como mulheres nos permitiram socialmente mostrar mais nosso lado frágil, desde pequenas nos permitiram chorar mais, bom, não temos nenhum medo em mostrar a fragilidade, inclusive a gente gosta e rimos delas, coisa que eu acho que os meninos tem mais dificuldade. Mas generalizar é complicado.

Maku – Desculpa Pepa, talvez os palhaços masculinos de maior idade, porque estão em um processo de desconstrução também. Aqui em casa acontece com Ringo, meu filho maior, que tem 14 anos. Tem humores que ele não acha engraçado, porque é machista. E também se tem que chorar ele não tem problema com isso, também já não vai à escola achando que meninos têm que brigar, entrar na porrada e que o homem não chora; eu falo dele porque ele está sempre tentando fazer as pessoas rirem, né? No verão passado ficamos brincando, ensaiando um monólogo aqui em casa e ele não tinha nenhum problema em mostrar sua fragilidade, desde seu mundo de criança, né? Acho que os meninos de hoje em dia, os jovens, eu imagino eles todos os futuros palhaços! Inclusive vocês viram, né? O mundo vai tão rápido mudando tanto e já não é mais binário, não é mais mulher ou homem, tem de tudo agora, partindo dessa base... Desculpa-te interromper, Pepa.

Pepa – Não, não, não, eu estava falando de um histórico, obviamente por sorte, por sorte, né? Porque quantas vezes temos escutado meninos da minha geração falar “não chore como uma menina”! Eu penso que sim, tem um humor diferente e um jeito de fazer, sobretudo na construção do espetáculo, e na dramaturgia, é muito diferente quando você escreve seu roteiro ou quando um homem escreve para você, homens maravilhosos têm dirigido meus espetáculos, mas ás vezes tenho que discordar e eles nem tinham se ligado, “mas isto faz todo mundo rir” não, isto é engraçado para você, mas não para mim, não sei... Quando eu comecei tinha a ideia de que os palhaços não tem sexo, né? Não tem sexo e não sei o que, que diziam como Charlei Rivel, e é verdade, os palhaços não tem sexo, mas as palhaças sim! Tenho certeza que as palhaças sim e tem palhaças que se transvestem, mas é uma opção de mostrar uma sexualidade, todas as palhaças que conheço se definem na sua maneira de se apresentar. Também os homens tiveram que carregar com os estereótipos, né? A maquiagem do palhaço é assim, o figurino do palhaço é assim; temos evoluído nisso também hoje não é tão assim. Mas existe a memória coletiva, se você pede para um grupo de pessoas desenhar um palhaço, todos os desenhos seriam parecidos, agora se você pede para desenhar uma palhaça, não haveria desenhos parecidos, porque teriam que inventá-la. E é por isso que todas as palhaças... somos diferentes, originais, estamos nos inventando. O fato de não ter um histórico, não ter um padrão... de não ter... eee... histórico! Te dá até o direito de errar, porque estamos nos inventando, mas não como homens, estamos nos inventando como mulheres palhaças. O histórico masculino serve como ofício de aprender como se faz a mesa, mas sua mesa não será igual, acho.

Fernanda – A gente está caminhando pro fim, e a gente vai terminar com essa pergunta aqui: para uma palhaça que está começando, o que você diria para ela?

Pepa – Que se ainda dá tempo desça! Que não continue! (risos) Se ainda o bicho não a mordeu (risos)

Maku – não! (risos) Eu falaria que é uma questão de escolha, se ela quer ser palhaça só tem que escolher, e uma vez que escolha, se é que sim, começar a juntar recursos. Por sorte agora até curso de palhaça de rua tem! A pandemia nos presenteou com a escola de palhaços online que estamos fazendo, aproveito para contar isso, que certamente vai ser interessante para muita gente, agora já estamos terminando o primeiro curso. Foram três grupos de 12 pessoas cada grupo, de sete países diferentes, uma maravilha. Falamos sobre dramaturgia do espetáculo de rua, que é muito diferente do que falava Pepa agorinha, né? A diferença da Europa... aqui acontece que tem uma diferença marcada entre o que são clown e palhaça, é muito bom poder diferenciar e é muito bom também que a palhaça se alimente do clown.

Pepa – Eu não entendo a diferença... porque está mal explicado e mal entendido... vocês sabem o que é clown? Sabem o que é o clown? O clown? O que é?

Fernanda – No Brasil, já ouvi que chamam de clown o palhaço mais ligado ao teatro, e de palhaço aquele mais ligado ao circo, mas outras explicações dessa diferença também.

Pepa – Erro, erro!

Maku – O que é para você, Pepa?

Pepa – Pra mim, não! Para ser concreto e real, o clown é o cara branca, o palhaço que não leva nariz. O clown, o cara de farinha, o clown é o cara branca, da estrutura clássica do palhaço. O clown é o branco e o augusto é quem leva o nariz.

Maku – O augusto é quem está com o povo... O clown é mais sério, mais habilidoso e isso tudo, sim, sim aqui também em relação ao histórico se estuda o clown, o augusto, o contra augusto, o tony e isso tudo. Mas não sei porque, foi um fenômeno que aconteceu aqui na América do Sul, que separou o palhaço que tem mais a ver com a rua, que trabalha na rua, e o clown que está nos teatros, isso como o básico né? Depois essa questão de que o clown está na procura de emoções, de risos, muito tem a ver sua estética, seu nariz vermelho, as luzes, tudo o que tem a ver com essas ferramentas.

Pepa – Vocês chamam de clown a um palhaço de teatro?

Maku – Sim, sim, aqui na América Latina é assim. O palhaço tem a ver mais com o povo, e com o palhaço, palhaça de rua. Isso foi o que aconteceu aqui na América do Sul. Também as pessoas falam que não é mesmo no cartão de apresentação dizer clown ou dizer palhaço, para o que tem a ver com o mercado se você coloca palhaço não é muito legal, mas se coloca clown sim... É muito louco isso, com relação ao mercado de trabalho, né? No Brasil todos os festivais, os encontros de palhaços estão muito bem vistos, nesse sentido estão de parabéns, muito avançados culturalmente.

Pepa – Eu acho uma pena muito grande perder palavras pelo caminho porque em português, em castelhano, em catalã, em italiano existe a palavra palhaço e existe o gênero, podemos falar palhaça; se clown e palhaço quer dizer a mesma coisa porque temos que falar em inglês? Mas também não quer dizer o mesmo, eu acho uma grande pena perder palavras pelo caminho, e o ofício do palhaço, da palhaça, é tão maravilhoso que... Mas bom, suponho que os palhaços de sala que chegaram, deviam ser ingleses ou de influência inglesa, então como eles se chamam clown por aí deve começar a confusão, né? Porque em inglês o genérico é clown, como a gente fala de palhaço de nariz vermelho, eles chamam de clown ao cara branca.

Maku – Aqui é louco porque o palhaço de rua geralmente não usa nariz, o palhaço, a palhaça, e na verdade agora que paro para pensar, tem um pouco de tudo, né? Porque se você está na rua tem um pouco de todo, tem um pouco de clown, um pouco de augusto, um pouco de contra-augusto e o palhaço está mais com o povo, e o clown, o que acontece aqui, está com o teatro, né? Além da linguagem, não é o mesmo a linguagem que você pode utilizar num teatro, que é um local mais cuidado, mais contido, e com a possibilidade de criar atmosferas mágicas. Eu alucino com os dois, claramente sou palhaça, palhaça de rua. O ponto de partida da criação é bastante diferente, ao que é o clown, outra diferença é que não fazemos espetáculos, são números, números, números, que tem um começo, um meio e um fim que acaba com aplausos, e o clown com toda uma história, eu acho interessante marcar a diferença para nos alimentar, né?

Pepa – Eu sou palhaça teatral, palhaça de salas com luzes, me dá muito medo a rua. Às vezes que fiz espetáculo na rua, uffffff, não sou para nada boa, porque, não! E comecei fazendo rua, mas gosto mais da sala.

Maku – É uma maravilha, é uma maravilha!

Pepa – Mas quando a gente está na rua tem que fazer pontos, círculos. No teatro eu faço linha, como um fio que segue e segue, é uma linha. Na rua são círculos, esse ponto, esse ponto, não pode fazer linhas porque alguém pode ir embora, faz um ponto, fecha esse ponto, faz outro ponto...

Maku – Sim, e também na rua a gente é um “xamã”, tem um círculo e os sorrisos rebotam entre o público, né? Porque tem o da frente que está rindo, o da direita, o da esquerda, e vai se gerando toda uma atmosfera em algum ponto mágica, né? Os sorrisos rebotando entre um e outro em círculo é maravilhoso!

Pepa – Sabe o que acontece comigo? Na rua eu vejo muito o público!

Maku – Sim, a gente está muito exposta!

Pepa – Eu no teatro não enxergo o público, não dá para enxergar muito o público. Mas na rua não tem escapatória, preciso me concentrar muito mais, porque tem um pássaro, uma ambulância, tem muitas distrações.

Maku – Nesse momento, com a escola que estamos fazendo, do “manual e guia do palhaço de rua”, bom... Entre outras coisas também partitura física, temos também um módulo sobre criação, e justamente falamos disto. E temos um exercício que muitas vezes fazemos quando estamos ministrando o curso presencial, que tem a ver com a conectividade, né? Que tem a ver com as três energias, mas bom agora que estamos falando da cognitiva, porque o palhaço de rua está em tudo, você está fazendo o número, um número participativo, mas você está na direita sabendo que tem uma criança chorando, que a mãe está levando ele embora, na esquerda tem o cara vendendo pipoca, tem que dividir a cabeça em quatro ou cinco partes, sim, tem que ter muito treinamento. Mas às vezes que trabalhei num teatro, aaahhhh, me encanta, porque desfruto muito também o fato de... olha! Somente precisa mexer os olhos e as pessoas todas em silêncio e tudo é pra você. Além de todos os recursos que tem a ver com a cenografia, iluminação, que eu também não exploro tanto porque venho da rua, mas sempre que posso... para aprender, acho maravilhoso.

Fernanda – Muito lindo! aayyy chicas!

Pepa – Quanto foi? Uma hora e meia, né?

Fernanda – Levamos uma hora e meia, eu acho que temos que deixar a Pepa dormir, né Pepa?! Nós estamos cinco horas atrás de você, Pepa. Queria agradecer imensamente a todos vocês que assistiram essa live, queria agradecer muito a Maku e a Pepa por toda a gentileza, por toda a simpatia de vocês, de terem aceitado nosso convite para vir aqui contar um pouquinho das suas experiências... (falo sobre projeto pandoras 1:26:56) Pepa e Maku, foi um prazer, foi um sonho falar com vocês, eu amo vocês eu admiro muito o trabalho de vocês, espero vê-las muito ainda nessa vida.

Pepa – Tenho muita bondade de estar presente, não, não é assim... Tenho muita bondade, eu sou muito pouco virtual... Sou bicho de pista, de cenário, eu descobri nessa pandemia que meu oficio é maravilhoso, a primeira apresentação depois de sete meses sem poder trabalhar sai como um touro! É uma pena muito grande não poder trabalhar, mas somos necessários somos necessários neste momento percebemos que necessitamos da cultura da arte... Nos faz sobreviver... Até logo!

Maku – Aproveito pra falar uma última coisa, falando da importância de estar comunicadas, e de como a pandemia se incentivou, mas isso que já estava sendo gestado da rede de palhaças, né? Muito, na América Latina, agora na Venezuela, no Brasil já tem tempo que tem essa rede de palhaças, agora na Argentina eu sou parte de uma rede de palhaças de Argentina, estamos nos organizando e entrando em contato com todas as redes de América Latina e isso é maravilhoso, continuar nesta resistência que nada nos detenha, e por sorte ter esta coisa.... Que eu também não gosto muito, mas estou me acostumando mais com isso online, e com tudo o que tem a ver com as redes, que por um lado é uma ferramenta maravilhosa que agora todo mundo está abordando e aprendendo e aproveitar o máximo possível, como comunicação com nossas companheiras palhaças, para todo este caminho de risos ao qual nos dedicamos, acho que é um grande salva vidas...

Pepa – Fernanda esta chorando, não! É de rir, é de rir...

Fernanda – É de rir, é de felicidade! O pessoal do circo os kaco la de Taquaruçu que esta recebendo a gente eles querem vocês duas no festival de

Taquaruçu, que é o maior festival de circo do norte do país, eles querem vocês lá!

Pepa – Quando?

Maku - Quando?

Fernanda – É em junho!

Pepa - Agora sou eu que vou chorar, sou eu que vou chorar... Tomara, tomara, tomara!

Fernanda – Maku, Pepa, um grande abraço em vocês, minhas queridas um beijo!

Maku – Muito obrigada Fernanda, passei muito bem, foi um prazer e obrigada por isso e por seguir se interessando e continuar com o projeto pandoras, abraço a toda equipe!

Pepa e Maku - Até logo! 

Comentários

  1. Nossa Fernanda, adorei a entrevista... Quantos assuntos que apareceram né? Quanta coisa pra gente discutir, aproveitar. Não sabia dessa lei de gênero, deve ser como uma espécie de Lei de cotas, né? Acho que ambas já foram ao Na Ponta do Nariz, né? Me levantou muitos questionamentos. Adorei.

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