Trabalho Final - Jordana Mascarenhas

Metodologia de Pesquisa em Artes Cênicas 
Revisão do projeto de pesquisa 
Mestrado: Jordana Mascarenhas 
Orientadora: Alice Stefânia Curi 



A Relação entre a Atriz Tocável e a Espectadora Emancipada

INTRODUÇÃO 

Na pesquisa que pretendo realizar, meu desejo é investigar os mecanismos presentes na relação entre os processos de atuação e expectação. Tal interesse surgiu em 2014, no processo de criação do espetáculo Inominável, cuja criação e autoria divido com o ator e diretor Similião Aurélio e do qual participo como atriz e diretora. O experimento teve sua primeira versão aberta ao público em novembro de 2015, sendo posteriormente selecionado para integrar a mostra local do 18º Festival Internacional de Teatro de Brasília Cena Contemporânea, em 2017, e a Mostra de Teatro do Fundão, em 2018. Sobre a experiência, escrevi o artigo O Trabalho do Ator dos Afetos à Criação[1], depois a monografia CORPOÉTICO – Por uma Ética da Cena Construída em Afetos[2] e, em seguida, o artigo Vivência, Memória e Experiência do Inominável[3] e Inominável: cena e encontro como zona de afetos[4].

Essa experiência foi orientada por princípios éticos que identifiquei tanto no âmbito da criação quanto no momento do compartilhamento com o público. No que diz respeito aos processos criativos, o engajamento ético se realiza na busca por uma dramaturgia tecida nas fricções entre a mitologia pessoal de cada atriz[5], projetada, expressada e/ou desdobrada em elementos ficcionais; na relação de imersão e criação com os ambientes habitados, espaços propiciadores de forte contato com a natureza; e, ainda, na possibilidade de auto investigação, favorecida pelo deslocamento dos hábitos do dia-a-dia, na medida em que cada versão da obra foi criada a partir de uma residência imersiva em ambientes não naturalizados pelas atuantes.

O processo de recepção dispõe de uma única atriz, interagindo com uma única espectadora por vez, em cada cena. Essa condição uma-para-uma fomenta a construção conjunta de uma dramaturgia do encontro, caracterizando quase que uma contracena. São, ao todo, doze cenas, acontecendo simultaneamente e divididas em três circuitos. Desde o princípio, a proposta foi alcançar um resultado que valorizasse o encontro e o sujeito. A expectativa foi de propiciar que o público, além de assistir, vivenciar e experienciar, também pudesse construir o espetáculo juntamente com as artistas. Para o ator e pesquisador do LUME Renato Ferracini:

Gerar vivências está mais para deixar-se afetar do que agir. (2013, p. 123).

Preparar-se é parar, ouvir, deixar-se impregnar pelo espaço. Deixar-se penetrar pelo outro e pelo mundo. Ser afetado por você mesmo. Experienciar é gerar vivências nas micro percepções de espaço-tempo e nas micro relações com o outro. (Id., p. 123).

 

Nesse caso, a atriz lança-se ao jogo e à criação de dramaturgias juntamente com a espectadora, diferenciando-se apenas; pois a atriz parte de uma ideia pré-concebida, programada anteriormente, partindo do conceito de programa trazido por Eleonora Fabião (2008). “Uma pré-dramaturgia, pré-condição de ação cênica como diz a autora” (2010, p. 322). Retomo aqui o artigo que escrevi em contexto de iniciação científica, pois é algo que já venho pesquisando desde então. Dessa forma, aproveito o conhecimento adquirido e observado durante essa pesquisa anterior para dar continuidade à pesquisa que pretendo desenvolver no mestrado.

Essa pré-dramaturgia, em contato com a dramaturgia desenvolvida junto ao encontro com a espectadora em cena, resultará na criação de uma terceira dramaturgia, um entrelugar que constitui e singulariza o experimento.[6]

O compartilhamento confessional desses campos míticos, memoriais e de afetos provocaram em mim, enquanto atriz, deslocamentos tanto físicos quanto subjetivos e afetivos, por terem sido suscitados em um lugar distante do meu cotidiano. As vivências de que participamos na chácara fomentaram espaço-tempo de presentificação, abertura sensorial, desautomatização e sensibilização, levando-me a outras criações distintas das experiências habituais, advindas também desse contato mais direto com o público. [7]

A partir dessa experiência, chego ao que Jacques Ranciére (2012) chama de “espectador emancipado”. No processo de criação, supomos, enquanto artistas, quais metáforas serão lidas e quais leituras serão acessadas e supomos também em que partes do espetáculo a espectadora irá rir ou chorar, e ela vai se tornando uma presença abstrata até a chegada da apresentação e do momento de primeiro contato com o público. Na estrutura do espetáculo Inominável, foi proposto um esquema de trabalho outro, em que a atriz propõe o “programa”, mas que está sujeito a ser rasgado pela espectadora.

Em resposta a uma espectadora emancipada, penso que exista uma atriz tocável, no sentido afetivo, de atravessamento e no sentido de uma porosidade que também é físico, pela proximidade. A emancipação da espectadora destitui a intocabilidade da atriz e revê a relação palco-plateia, na qual a atriz detém todas as vantagens do jogo; isto é, de saber quais são as regras, as falas, o que vai acontecer, quando mudará a luz e quais são as marcas em cena. Sendo assim, a atriz estabelece uma pré-dramaturgia que pode ser reconstruída pela espectadora.

Nesse quadro, quais são as estratégias para pensar essa espectadora? Que espectadora é essa? Nesse sentido, como se concretiza a transformação da ideia de espectadora? Como seria o treinamento dessa atriz que se encontra com a espectadora em território quase equânime? É possível treinar a tocabilidade da atriz? Quais atravessamentos são esses que a experiência propõe? Entendo que, na contemporaneidade, exista uma transformação em como e o lugar da espectadora é suposto. Matteo Bonfitto (2006) nos provoca a pensar sobre o que é um “ator compositor”. A partir disso, provoco-me a pensar: é possível existir uma espectadora compositora?

Interesso-me, também, em investigar se é possível e como esse encontro entre a espectadora emancipada e a atriz tocável, em uma estrutura de espaço não alternativo e mais tradicional, é realizado. Seria possível encontrar uma espetadora emancipada e uma atriz tocável em uma estrutura de apresentação de palco italiano, onde existe certo distanciamento entre ambas, ou a estrutura de proximidade propicia essa troca? O que seria, necessariamente, a emancipação da espectadora?

            Busco uma possibilidade de investigação dessas ideias, procedimentos, posicionamentos e relações, advindas desses processos artísticos que se esboçam dentro de uma abordagem cênica, em que atrizes e espectadoras se encontram em território de ação assistida. Segundo esse modelo, o público assiste à atriz e a atriz assiste ao público, não somente no sentido de olhar, mas também no sentido de dar assistência, dentro de um livre campo imaginário de criação de “dramaturgias de convívio”, conceito esse trazido por Jorge Dubatti (2014) em seu livro O Teatro dos Mortos.

 

OBJETIVOS

 

1.     Compreender como se dão os processos entre a espectadora emancipada e a atriz tocável.

2.     Pensar sobre as possibilidades de existência de uma espectadora compositora.

3.     Desenvolver estudos no campo da interpretação teatral, pensando sobre o processo de composição da atriz tocável.

4.     Enredar uma discussão sobre os atravessamentos que essa experiência de interação pode gerar.

5.     Encontrar paralelos com outras pesquisadoras e autoras.

6.     Voltar o olhar para o processo de recepção do espetáculo.

7. Pensar sobre as modalidades de estratégias para uma concepção do espetáculo com “foco” na espectadora.

 

PONTOS DA PESQUISA

 

1       – Dramaturgias    

1.1  - Dramaturgias da atriz

1.1.1       – Persona-gens

1.1.2       – Memória, Vivência e Experiência

 

1.2  - Dramaturgia do Encontro

 

1.3 - Dramaturgia do espectador

 

2       – Relação um para um. 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BONFITTO, Matteo. O ator compositor. 2a. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.

BORRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins, 2009.  

DUBATTI, Jorge. Teatro como acontecimento convival: uma entrevista com Jorge Dubatti nas dependências Centro Cultural de la Cooperación, Buenos Aires, Argentina, fev. 2014. Urdimento. v.2, n.23, p 251-261, dezembro 2014. Entrevista concedida à Luciana Eastwood Romagnolli e Mariana de Lima Muniz.

FABIÃO, Eleonora. Peformance e Teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Sala Preta, v.8, p. 1- 19, 2008.

FERRACINI, Renato. Ensaios de Atuação. São Paulo: Perspectiva, 2013.

FIADEIRO, João & EUGÉNIO, Fernanda. O Encontro é uma Ferida. Culturgest. Excerto da Conferência-Performance Secalharidade. p.1- 4, junho 2012.

RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.

 

OUTRAS BIBLIOGRAFIAS

BONDÍA, Jorge Larrosa. Experiência e Alteridade em Educação. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 19, n.2, p. 04-27, junho./dez.2011.

DUBATTI, Jorge. O Teatro dos Mortos, São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2016.

COHEN, Renato. Work in Progress na Cena Contemporânea, São Paulo: Perspectiva, 1998.

FABIÃO, Eleonora. Corpo Cênico, Estado Cênico. Revista Contrapontos, v.10, n.3, p. 321 – 326, set/dez 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

MONTEIRO, Adriana Belmonte. Nietzsche e Espinosa: fundamentos para uma terapêutica dos afeto. Cadernos Espinosanos XXIV. p. 141-165.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis, Vozes, 1987.

ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental. Transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.

SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. 12ª ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

SPINOZA, Benedictus de. Ética. 2ª Ed. Belo Horizonte: Autentica, 2014.

DELEUZE, G; GUATTARI, F. Gilles Deleuze, Félix Guattari: entrevista sobre O anti-Édipo com Raymond Bellour. In: Cartas e outros textos. São Paulo: n-1, 2018, p. 197-237.

DELEUZE, G; GUATTARI, F. Como criar para si um Corpo sem Órgãos?. In: Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol. 3. São Paulo: Editora 34, 2012, p. 11-33.

 

PLANO DE TRABALHO/CRONOGRAMA

2/2020

1/2021

2/2021

1/2022

Estudos de Base/ Levantamentos Referenciais/

Laboratórios

Laboratórios/

Levantamentos Referenciais

Laboratórios/

Levantamentos Referenciais/

Qualificação

Escrita/ Defesa

- Participação nas aulas;

- Levantamento de Referências sobre  tema;

- Créditos;

-Revisão bibliográfica;

- Experimento com atrizes e espectadoras;

- Análise de material.

- Laboratório com atrizes;

- Análise de materiais;

- Análise e desenvolvimento de matérias;

- Início do processo de escrita;

- Participação nas aulas.

- Criação de Cenas experimentando a relação palco/plateia.

 

- Laboratório com atores;

- Análise, desenvolvimento e seleção de materiais;

- Qualificação;

- Desenvolvimento

do texto após

retorno da banca de

qualificação.

- Finalização do processo de escrita;

- Defesa da dissertação.

 

 

 

*Estas experimentações estou revendo, pois acho que não dará tempo de realizar. Preciso ver como fazer para mudar o formato, ou se ainda é interessante realizar.



[1]  Artigo escrito em contexto de iniciação científica (2016), orientado Professora Dra. Alice Stefânia Curi.

[2] Trabalho de conclusão do curso de Artes Cênicas (2019), na Universidade de Brasília - UnB, orientado pela Professora Dra. Alice Stefânia Curi.

[3] Artigo escrito em cooautoria com a Professora Dra. Alice Stefânia Curi, aceito para publicação pela revista do Centro Universitário de Belas Artes de São Paulo - Arte 21 (2019).

[4] Artigo escrito em cooautoria com a Professora Dra. Alice Stefânia Curi, publicado pela revista Conceição | Conception (2019)

[5] Opto neste projeto por substituir os termos “ator” e “espectador” por “atriz” e “espectadora” como sujeito determinado de qualquer gênero (gênero neutro) a fim de trazer à marcação gramatical feminina um aspecto de neutralidade, assim como acontece na marcação gramatical quando o gênero é masculino, na Língua Portuguesa. Esta substituição traz o substantivo no feminino para referir-se ao todo por questões de representatividade, uma vez que é escrito por uma mulher.

[6] Notas do artigo “O Trabalho do Ator dos Afetos à Criação”, desenvolvido em contexto de iniciação científica.

[7] Notas do artigo “O Trabalho do Ator dos Afetos à Criação”, desenvolvido em contexto de iniciação científica

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