Trabalho final: análise de projeto [Santiago Dellape]
Universidade de Brasília - UnB
Instituto de Artes - IdA
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - PPG-CEN
Linha de pesquisa: Processos Composicionais para a Cena
Metodologia de Pesquisa em Artes Cênicas 2º/2020
Orientador: Prof. Dr. Marcus Mota
Mestrando Santiago Machado Dellape
Matricula: 20/0085492
Trabalho Final
O TEATRO DE IMAGENS DE HUGO RODAS
O trabalho na disciplina Metodologia de Pesquisa em Artes Cênicas ao longo do semestre foi decisivo para a reformulação do projeto de pesquisa a partir de como ele havia sido concebido inicialmente. Convergiram para isso fatores externos como a pandemia (que não arrefeceu e continua interditando a prática teatral necessária à proposta original de se gravar O Rinoceronte), refletida no trabalho da companhia que elegi como meu objeto de pesquisa: a ATA (Agrupação Teatral Amacaca), dirigida por Hugo Rodas. O espetáculo Poema Confinado era uma das atividades já previstas no projeto de manutenção de grupos com que a Agrupação havia sido contemplada no FAC (Fundo de Apoio à Cultura do DF), e Rodas optou por montá-lo de maneira totalmente virtual, pela internet. A estreia será no próximo dia 10/12/2020, às 21h30, no Festival Cena Contemporânea, este ano em edição online. Entre agosto e outubro de 2020 a ATA transmitiu pelo YouTube oito ensaios abertos (Laboratórios Cênicos), compartilhando com o público interessado o processo criativo da companhia nesse atual trabalho, bem como nos anteriores (Ensaio Geral, Punaré & Baraúna, Metanoia, Saltimbancos e O Rinoceronte).
Meu acompanhamento dos trabalhos da ATA se iniciou em agosto: os ensaios aconteceram sempre às segundas, quartas e quintas, sendo que nas quintas, às 21h, foram transmitidos os Laboratórios Cênicos ao vivo, pelo YouTube. Esses ensaios se deram pela plataforma de videoconferência Zoom e foram todos acompanhados de anotações em diário de bordo, bem como gravados e armazenados em vídeo. Ao longo dos ensaios fui gradualmente adotando uma postura mais participativa, dando minha opinião quando Hugo a pedia, e já mais no final do processo cheguei mesmo a atuar como colaborador, tendo ajudado a editar o corte final do espetáculo que será exibido no Cena Contemporânea.
No entanto, não pretendo delimitar o foco da minha pesquisa a esse único trabalho, o Poema Confinado. Sem dúvida foi um processo muito rico, que tem material de sobra para ótimas discussões, mas me interessa ir além e estender minha pesquisa para abarcar a questão da diluição de fronteiras entre o teatro e o cinema (audiovisual, se preferir) no trabalho de Hugo Rodas, como um todo. Para isso, estou delimitando um recorte que vai da primeira montagem de O Rinoceronte, em 2005 (ainda com o grupo TUCAN - Teatro Universitário Candango, já que a ATA estreia oficialmente só em 2011), até a apresentação de Poema Confinado, em 2020. A depender dos rumos que a pandemia ainda pode tomar, e torcendo por um cenário otimista em que a Agrupação volte à rotina de ensaios presenciais em breve, não está descartado levar a cabo a ideia de filmar O Rinoceronte. Essa possibilidade seria ainda mais tangível tivesse a ATA sido contemplada no edital de Teatro Virtual promovido pela Funarte em outubro, mas nossa proposta acabou ficando em 15º lugar de um universo de 53 inscritos, que infelizmente só contemplou os cinco primeiros colocados.
Por outro lado, as conversas com o orientador foram importantes para me fazer entender que o escopo do meu projeto talvez estivesse demasiado amplo noutro sentido: naquele em que eu me propunha a criar o texto original do espetáculo A Vida Selvagem do Funcionário Público e produzir um memorial descritivo do processo como parte de minha dissertação. Aos poucos fui me dando conta de estar olhando para dois objetos não exatamente muito próximos um do outro, e por isso eu não estava conseguindo focalizar nenhum dos dois direito. A não ser que eu buscasse uma amarração melhor como, por exemplo, que a ATA encenasse o texto de A Vida Selvagem, aí talvez tudo costurasse para dentro de um jeito mais harmonioso. Mas nesse horizonte pandêmico de incertezas, em que não sabemos quando iremos voltar a frequentar o teatro como um dia já o fizemos, perde-se até mesmo a inspiração para criar, pois que sentido há em se escrever uma peça se não se pode montá-la? Escrever algo para ser encenado no Zoom? Confesso que não me apeteceu, já que me parece uma plataforma até propícia para artes performáticas como na proposta da ATA, mas muito engessada e inadequada para o texto dramático, que requer a troca fluida e orgânica entre os atores, algo simplesmente inatingível em sua plenitude a partir do momento que entram em cena os delays, tilts, e bugs da mediação eletrônica. Para não sacrificar essa história pela qual tenho certo carinho e para não acabar perdendo o foco do meu objeto de pesquisa, concordei que seria melhor desvincular A Vida Selvagem do projeto e deixá-la correr livre seu próprio curso.
A experiência da entrevista com o personagem principal do meu objeto de estudo, Hugo Rodas, foi fundamental tanto para estabelecer o vínculo pessoal que iria me franquear acesso a seu universo criativo quanto para me permitir melhor visualizar as linhas gerais do componente cinematográfico em seu trabalho, de forma a buscar uma sistematização mais apurada de seu estudo. Sinto que, após a estreia de Poema Confinado, talvez seja o momento para uma segunda entrevista com Rodas, que lhe dê oportunidade de fazer um balanço das intenções, desenvolvimentos, aprendizados e desdobramentos desse processo como um todo.
Objetivo geral:
Identificar, inventariar e analisar os componentes cinematográficos da estética teatral de Hugo Rodas que a tornam única, a partir do recorte que se estende da primeira montagem de O Rinoceronte, em 2003, até a mais recente, em 2020, e culmina na realização do espetáculo virtual Poema Confinado.
Objetivos específicos:
Investigar as origens e influências da estética cinematográfica no repertório teatral de Hugo Rodas;
Traçar um retrospecto da recente produção do diretor, abarcando os 17 anos que separam as duas montagens de O Rinoceronte e cotejá-las analiticamente em seus méritos artísticos e nos respectivos contextos político-sociais em que foram produzidas, buscando também o contraponto do pano de fundo histórico e cultural que inspirou a escrita de Eugène Ionesco;
Olhar para a tradição histórica que remete à intersecção entre as linguagens do palco e da imagem em movimento, especialmente o teatro documentário de Piscator e os estudos de André Bazin sobre os primeiros anos do teleteatro;
Discutir questões conceituais sobre as fronteiras que separam as duas linguagens a partir da análise da experiência do teleteatro brasileiro;
Registrar e documentar um momento importante na trajetória da ATA, de experimentação de novas linguagens e redefinição de nortes estéticos (no qual a página do grupo no YouTube passa a ter um aumento exponencial no número de vídeos publicados), catalisado pelo contexto de isolamento social em razão da pandemia e pelo interesse estético que Hugo Rodas nunca escondeu pelo audiovisual.
Metodologia
O material de pesquisa se sustenta principalmente na análise do registro audiovisual dos espetáculos da ATA a partir de 2012 (Ensaio Geral, Punaré & Baraúna, Metanoia, Saltimbancos, O Rinoceronte, Poema Confinado) e da primeira montagem de O Rinoceronte pelo TUCAN, em gravação de 2005. Somado a isso há o registro dos ensaios (fechados e abertos) do Poema Confinado, realizados entre agosto e novembro de 2020, que foram complementados por anotações em diário de bordo, e também pela sequência de bate-papos retrospectivos sobre os seis espetáculos da companhia transmitidos no YouTube chamados Desata na rede, realizados entre outubro e dezembro.
Outro alicerce fundamental da pesquisa serão as entrevistas com Hugo Rodas e demais integrantes da ATA no sentido de investigar a construção da visualidade e musicalidade cinematográficas no trabalho do grupo, que o diretor define como um teatro de imagens.
Em termos de referencial bibliográfico, consegui levantar um farto material que faz referência a Hugo Rodas em artigos, TCCs, teses e dissertações, que vai servir de estofo na construção do perfil desse multifacetado artista. A pesquisa naturalmente vai acolher autores que têm influência decisiva sobre o trabalho de Rodas, como Stanislavski, Artaud, Grotowski e Barba. No capítulo dedicado à análise dos teleteatros, pretendo debater o papel da televisão a partir do diálogo com teóricos como Walter Benjamin, Günther Andres, Marshal McLuhan, Andre Bazin, Dietmar Kamper, Paul Lazarsfeld e Gilles Delleuze.
Estrutura da Dissertação
A partir da percepção de que Hugo Rodas já vem sendo objeto de estudo de outros trabalhos acadêmicos, a ideia aqui não é "chover no molhado", mas, ao contrário, nos valermos desse amplo arcabouço teórico para embasar e sublinhar o que acredito ser um aspecto ainda pouco explorado da produção desse artista, que é o filtro cinematográfico que ele logrou aplicar em seu método como diretor de teatro. A divisão do corpo da dissertação em capítulos seguiria mais ou menos a seguinte estrutura:
1. Perspectiva histórica
Contextualização histórica sobre como as tecnologias de fixação e transmissão da imagem em movimento impactaram o fazer teatral a partir do século XX, passando pelas experiências do teatro documentário e do teatro televisionado, ou teleteatro, que chega a ocupar um lugar de destaque no espaço público brasileiro antes de ser substituído pela telenovela na preferência popular e cair no esquecimento.
"Los 45 son 90!" - Durante a era de ouro dos teleteatros, um uruguaio fazendo um trabalho de teatro-dança inspirado em tai-chi-chuan e kempô chamado "Los 45" (em referência ao número de movimentos executados) tem uma epifania durante uma projeção cinematográfica: ao retroceder o filme, Hugo Rodas se dá conta que os 45 movimentos, em realidade, são 90, pois nunca tinha lhe ocorrido executá-los de trás para frente. Seria a primeira apropriação cinematográfica a fazer parte do repertório de Rodas, que mais tarde iria incorporar outros ferramentais da sétima arte como a câmera lenta; o slide ("congela"); a câmera rápida; e a trilha sonora como elemento-chave condutor da narrativa do ponto de vista sinestésico-emocional. Esse ferramental seria apresentado junto com um breve apanhado da trajetória artística de Hugo Rodas, desde o início da carreira no Uruguai até sua legitimação com o título de Notório Saber em Artes Cênicas concedido pela UnB em 1998, com especial atenção às suas investidas no terreno audiovisual;
2. Dois Rinocerontes
Análise crítica da primeira montagem do espetáculo pelo antigo grupo TUCAN à luz da gravação de 2005 e de entrevistas com os três integrantes da formação original: Hugo Rodas, André Araújo e Rosanna Viegas. Que forças confluíram para aquela primeira montagem e em que condições ela foi realizada? Qual foi o saldo da experiência para os integrantes?
Análise crítica da segunda montagem do Rinoceronte, em 2020. Como surge a proposta de remontar o espetáculo e como ele é ressignificado pelo contexto sócio-político atual? Quais são as evoluções ou retrocessos quando se compara a primeira com a segunda montagem?
Elaboração teórica sobre a importância do registro audiovisual enquanto ferramenta que possibilita a permanência física do evento teatral.
Gravação do Rinoceronte? A depender das condições de saúde pública na época, seria feito um novo registro da encenação da peça, inspirado no trabalho de câmera do cineasta Lars Von Trier nos filmes Dogville e Manderlay, processo que suscitaria a produção de um memorial descritivo.
3. Desatados
a) Passeio pelo repertório da ATA, enfocando o viés cinematográfico da direção de Hugo Rodas nos quatro primeiros espetáculos do grupo;
b) O impacto da pandemia no trabalho do grupo e a decisão de criar o Poema Confinado de maneira totalmente virtual; a ruptura com o texto dramático e a busca do Teatro de Imagens; o processo criativo; a repercussão da estreia no Cena Contemporânea.
c) Os ensaios abertos (laboratórios cênicos) e a troca com o público no ambiente virtual; as oficinas com os integrantes da ATA.
d) Coda: registro da produção do curta-metragem "Assintomáticos" do qual Hugo Rodas participa e discussão sobre as possibilidades de produção artística na pandemia.
4. Conclusão
Sistematização e mapeamento da evolução do ferramental cinematográfico na estética Rodiana;
Análise da contribuição artística e do valor documental da eventual gravação de "O Rinoceronte";
Articulação entre as diversas formas de intersecção das duas linguagens observadas historicamente em contraponto às perspectivas para o futuro;
Cronograma
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