Análise do projeto de Pesquisa

 

Título provisório – Palhaçaria musical: palhaças cantoras e excêntricas musicais.

Revisão de aspectos gerais da pesquisa

Neste momento de reavaliação do projeto de pesquisa, reafirmo algumas questões iniciais apontadas no pré-projeto, retiro outras que pareciam essenciais e acrescento outros caminhos que a princípio eram menos evidentes, mas que agora abrem novas perspectivas mais instigantes. Em função de todo esse rearranjo eu ainda não encontrei um título que desse conta de condensar esses caminhos.

Meu projeto de pesquisa consiste na investigação teórico-prática da musicalidade focada no processo criativo na palhaçaria. Inicialmente pensei em fazer estudos de caso com dois artistas/grupos da atualidade, para analisar o processo criativo, fazer entrevistas e analisar registros de apresentações em vídeos. Propus, também, no pré-projeto, um segundo momento em que me dedicarei à criação e análise do espetáculo “A Concertista”.  Um espetáculo que terá a musicalidade como ponte de partida para a um resultado cênico. Além disso, havia também a proposta de criação e organização de uma técnica para condução de atores, dramaturgias e encenações de novos trabalhos.

Ou seja, o pré-projeto tinha um escopo de pesquisa muito grande, que precisaria de muito fôlego para cumprir todas essas etapas. Atualmente, a proposta continua sendo estudar a musicalidade como um recurso cênico na palhaçaria, contudo fiz vários recortes necessários e eliminei etapa da proposta inicial.

As mudanças no pré-projeto iniciaram, no mês de junho, quando comecei a participar de um grupo de pesquisa em dramaturgia conduzido pela Ana Borges e Karla Concá, palhaças do grupo carioca “Maria das Graças”. O grupo é formado por mulheres palhaças de diversos lugares onde estudados o lugar das mulheres na palhaçaria e quais são as diferenças de perspectiva de gênero e de diversidade na dramaturgia clássica e contemporânea. A partir da análise de vídeos contemporâneos, de números e esquetes da dramaturgia clássica[1] tive a dimensão histórica e percebi a importância atual deste novo olhar.

Com o crescimento considerável de mulheres exercendo a função de palhaça, estamos construindo novas dramaturgias contemporâneas. As mulheres não ocupam apenas o lugar de submissão no jogo cômico, ou tem o corpo feminino objetificado, ou são colocadas em situação de violências físicas e agressões morais para criar comicidade como ocorre nas dramaturgias clássicas de palhaçaria.

Portanto, percebo melhor o contexto em que estou inserida, reconheço com mais clareza o movimento importante de muitas artistas anteriores a mim e entendo, sob outra perspectiva, as dificuldades e empecilhos com os quais me defrontei nas criações e relações com outros artistas no meu percurso como palhaça. Diante disso, senti a necessidade de fazer um recorte de gênero na pesquisa e fazer a etapa de estudo de caso apenas com duas palhaças contemporâneas que se relacionam com as figuras musicais clássicas da palhaçaria: o palhaço cantor e o excêntrico musical.  Duas figuras que historicamente sempre foram atribuídas aos homens.

A princípio o estudo de caso será realizado com e sobre a palhaça Rubra (Lú Lopes) e a palhaça Anna de Lirium (Tanja Simma). As duas dialogam de maneira bem livre e contemporânea com as figuras clássicas de palhaços musicais.   

Outro aspecto que considero importante são as mudanças relacionadas ao processo criativo. Esta etapa é a criação de um novo espetáculo que é a continuação de uma pesquisa prática iniciada em 2018 de criação de um novo aparelho musical cênico. Trata-se de uma bicicleta que estou construindo, conhecida como Penny Farthing e que se transforma em instrumentos musicais como uma flauta a partir do guidom e uma marimba de canos de alumínio em duas oitavas a partir da estrutura das rodas da bicicleta[2].  

Desde o pré-projeto o objetivo é realizar a investigação e uma criação cênica com base na atuação musical, instrumental e cantada de palhaças e palhaços. Nesta etapa as mudanças se dão pelo desejo de trabalhar com temas transversais que atravessam minha busca como artista. Incorporo à esse processo a importante escolha de referênciar a concertista e maestra Chiquinha Gonzaga e de trabalhar com o seu repertório de choro, do maxixe e da marchina de carnaval. Ela, com sua obra volumosa e sendo muito atuante politicamente, participou ativamente da transição da música europeia para a identidade da música brasileira.

Este repertório e os gêneros musicais que ela, juntamente com outros músicos encabeçaram e inauguram, serão guias para a criação da musicalidade nesta pesquisa prática. Esse caminho se deu primeiramente pelo desejo de me relacionar com a bibiografia e a musicalidade desta mulher, artista, ativista impar. Além disso, o maxixe, o choro, a marchinha de carnaval são gêneros originalmente irônicos que exploram o exagero melodramático e que darão subsíos para trabalhar a comicidade em cena.

O choro foi um gênero associado à maneira chorosa e alegórica com que os músicos tocavam as polcas, as valsas e outros estilos musicais europeus que influenciaram o seu surgimento. E nesse contexto, a questão da hibridação, da construção do corpo grotesco, dentro da perspectiva de carnavalização de Bakthin, coaduna com a formação do choro como um gênero e mais tarde com a figura do palhaço cantor no Brasil.

Acredito, que esse caminho de convergências engendra ensejos a paródias sobre convenções, inverte os cânones, eleva as vozes das margens, possibilitando refletir e criar o mundo ao contrário como se dá na arte da palhaçaria.  

Esses estudos do hibridismo cênico musical que avisto tem o objetivo de criar um imaginário cômico de exposição do trágico brasileiro. Um espaço híbrido de conflitos, um espaço fronteiriço de criação. Portanto, acrescento a minha pesquisa conceitos como: mestiçagem, hibridismo, transculturação, etcnicidade, gênero e memória cultural.

Agora, depois de replanejar o pré-projeto, consigo também perceber com mais clareza que a última etapa do pré-projeto, deve ser eliminada. A proposta de sistematizar e organizar metodologicamente técnicas para condução de atores, dramaturgias e encenações de novos trabalhos não caberia no escopo desta pesquisa.

Portanto, estruturo a tese da seguinte maneira:

Questões Metodológicas:

Optei, desde o início por trabalhar com o pluralismo metodológico para abarcar todas as demandas da pesquisa:

·       Estudo de caso

·       Análise de vídeos

·       Análise de entrevistas

·       Pesquisa prática

·       Análise de processo criativo

Na etapa de estudo de caso será analisando o material disponível da palhaça brasileira Rubra (Lú Lopes) e com a palhaça austríaca Anna de Lirium (Tanja Simma). Materiais referentes a um número ou um espetáculo de cada uma delas. Buscarei materiais como: texto, fotos, vídeos, arquivos de áudio e realizarei entrevistas. Considero essa etapa importante e necessária para entender outros processos cômicos musicais e abrir mais possibilidades de observação e análise, pois cada espetáculo analisado irá produzir um tipo de conceito que me auxiliará na minha pesquisa e no processo criativo.

Na etapa de análise de processo criativo farei a organização, análise e tipologia das fontes materiais diversas. Fontes textuais, visuais, audiovisuais, material cênico e arquivo de som que serão coletadas durante o processo. Esse material será registrado, organizado e editado em fases distintas. A ideia é começar no primeiro semestre de 2021 e registrar globalmente o processo desde o início. Trata- se de um processo criativo solo em que vou trabalhar com a subjetivação e desdobramento funcional entre articuladora e observadora.

Para realizar essas etapas senti a necessidade de me instrumentalizar e dominar algumas ferramentas para documentação e organização dos diversos tipos de materiais. Portanto, durante esse semestre estudei e criei material sonoro e audiovisual com ferramentas que até então eu não dominava, como: o garageband para edição e criação de som e lumafusion, adobe premier, videoleap para edição audiovisual[3]. Acredito que, a intimidade com estas ferramentas, irão auxiliar na criação e facilitar a catalogação e organização dos processos criativos para a análise posterior.

Sendo assim, proponho o seguinte cronograma de pesquisa:


Questões bibliográficas.

Como decidi fazer um recorte de gênero no objeto da pesquisa me deparei, durante a revisão bibliográfica, com referências importantes sobre palhaçaria feminina e comicidade que ainda preciso atualizar. A entrevista, realizada na disciplina, foi um exercício muito válido, pois aproximou mais a minha pesquisa deste novo campo ainda não vislumbrado no pré-projeto.

Além disso, durante a disciplina foram apresentados novos paradigmas de som, história e imagem e a abertura de uma extensa bibliografia sobre Sound Study, Humor Research, Art-based.  Da mesma maneira, as plataformas de busca para artigos, livros, teses e dissertações, e sites de pesquisa como: “The International Society for humor studies”, abriram novas perspectivas, mostrando uma bibliografia que envolve diversas áreas, culturas e diferentes tipos de humor.

Agora, diante de tantas novas referências, também é o momento de fazer uma avaliação da bibliografia e mapear o que posso considerar como bibliografia secundária e o que é bibliografia primária.

Até o momento visualizo os seguintes ramos bibliográficos:


Inquietações, coisas definir, possibilidades. 

A minha pesquisa abarca principalmente dois campos de estudo muito amplos: o humor e o som. Portanto, percebo que um dos desafios será trabalhar com dois campos muito periféricos, que abrem para outras direções e outras áreas de pesquisa. Será importante saber quais os limites bibliográficos que irei colocar, visto a impossibilidade de ler toda a bibliografia destes assuntos relacionados.

Outro desafio é o desejo de fazer uma tese digital como uma revista superlinkada. Como por exemplo a revista MT0 (Journal of the Society for music theory), apresentada durante a disciplina, que exibe uma versão on-line, e que me instigou bastante a querer projetar esse formato de tese.

Para tanto, será necessário pesquisar e explorar formas de registos que eu possa associar imagem, movimento e som. O objetivo é facilitar a documentação e o acesso ao conteúdo da pesquisa. Gostaria de encontrar uma forma de registrar a criação dentro de uma perspectiva circular, em que as anotações visuais possam me auto alimentar e tornar a experiência compartilhada de maneira mais completa e integrada. Ou seja, criar um material que dê conta da interdisciplinaridade das fontes, criar registros que possam ser revisitados e que dê conta de retomar e propor novos caminhos criativos.

Outro desafio é encontrar a dimensão e o lugar de dois novos campos que agrego a pesquisa: a palhaçaria feminina ou feminista e aprofundar as discussões nesse campo amplo e novo para mim. E as também as questões sobre mestiçagem, hibridismo cultural que desenham a perspectiva de análise da musicalidade de Chiquinha Gonzaga e da sedimentação da figura do palhaço cantor no Brasil.

Agora, falando bem sinceramente, além dos desafios bibliográficos e metodológicos, o meu maior objetivo e provocação é conseguir criar um espaço de investigação prática e teórica coordenando as demandas familiares, maternas em cenário de pandemia e as demandas e pressões profissionais, pois preciso encontrar formas de continuar tralhando como artista. Portanto, desejo realizar essa pesquisa com qualidade e aprofundamento, com leveza, diversão, mantendo paz mental e a saúde.

Nuvem de palavras:





Pesquisa de construção da bicicleta musical. 



[1] Estudamos esquetes tradicionais brasileiras registrado no livro do Mário Fernando Bolognesi “Palhaços” e esquetes tradicionais europeias a partir do livro “Entrada Clownescas – uma dramaturgia do clown” de Tristan Rémy.

[2] Vídeo explicativo sobre essa parte da pesquisa no link: https://youtu.be/xg1jLm_zHHE

[3] Durante esse semestre editei vídeos sobre o processo criativo de dois espetáculos que atuo – “Sementes” e “Cria”. Esses vídeos fazem parte de um projeto de ocupação virtual do meu coletivo “Criadouros” e foi um projeto fundamental para dominar as ferramentas de edição que usarei para organizar e analisar os espetáculos e vídeos da pesquisa. Nesse semestre também estou trabalhando em intercâmbio virtual com o grupo português “UmColetivo”. Iremos produzir 7 vídeos inspirados na obra “O silêncio para 4” de Ruben A. Nesse outro processo estou experimentando compor musicalmente no programa garageband e essa experiência abriu vários caminhos para pesquisar a musicalidade e para registrar o processo criativo.  

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