Análise de Pré-projeto - Fernanda Pimenta

 

A NOVA PERSPECTIVA – Análise de Pré-projeto

Resumo: trata-se de trabalho final da disciplina Metodologia da Pesquisa em Artes Cênicas, que tem como objetivo revisitar a proposta do pré-projeto inicial, apresentado e aprovado pelo PPGCEN. Reflexões foram suscitadas no segundo semestre de 2020, nas quais apresentam-se como norteadoras deste novo momento. Influências dos conhecimentos adquiridos em aula se materializam e provocam o recorte de determinados temas e de certas escolhas, que reafirmam ou questionam a intenção do princípio, a análise e o aprofundamento na dramaturgia feminista das palhaças.

Palavras-chave: Dramaturgia; Feminismos; Palhaças; Dispositivos de Gênero.

O pesquisador olha a tela do computador e 
se questiona por onde começar essa composição. 
Olha e espera que alguma pista se apresente. 
Sabe que não se trata necessariamente de tentar achar um início, 
pois suas práticas já lhe mostraram que sempre haverá um
 “mar de antes” antecedendo cada início dado e que, 
estaremos sempre navegando por entre ondas que se sucedem num infinito.
Flávio Rabelo

          Estamos no início da jornada de uma pesquisa que objetiva aprofundar-se nas possíveis dramaturgias feministas criadas por mulheres palhaças em suas atuações cênicas. Muitas vezes os árduos esforços que requer o caminho da investigação se mostram mais amenos quando conhecemos e podemos dispor de instrumentos que facilitem a busca de conhecimento.

          Nesse sentido, a disciplina Metodologia da Pesquisa em Artes Cênicas 2, ministrada pelo professor Marcus Mota, da Universidade de Brasília, se mostrou de grande valia para o atual momento, em que se busca definir e recortar com clareza a área de estudos a que realmente desejamos explorar na presente pesquisa de Doutorado.

          O pré-projeto apresentado a este Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena, o qual é aqui analisado, foi proposto com o título de A Dramaturgia Feminista na Palhaçaria Feminina. Porém, no semestre que se passou, em meio a atividades desenvolvidas de forma remota, como aulas, exercícios de análise de teses, entrevistas e exposição de mecanismos de busca, tivemos a oportunidade de ampliar e rever questões e conceitos antes adotados.

QUESTÃO BIBLIOGRÁFICA

          As novas ferramentas de busca aprendidas no semestre foram de grande utilidade para a evolução das reflexões e para o reconhecimento de novas fontes e referências bibliográficas. A partir do exercício de auto-apresentação pudemos rever pela primeira vez o material levantado anteriormente, que visava o ingresso no Programa, pois a tarefa fez com que pensássemos como expor a ideia de nossas pesquisas de forma sucinta e me fez perceber meu ponto de partida. Ao falar de minha trajetória percebi que há muito tempo essa pesquisa vem crescendo em meu desejo e vivência.

          De forma geral, à época do pré-projeto escolhi autores pontuais, mas que durante o semestre foram perdendo sua força na pesquisa, já que outros autores foram sendo conhecidos e adotados nesta investigação.

          Objetivo descobrir e produzir conhecimento sensível sobre o que é a palhaçaria feita por mulheres, seus limites, como se dá sua dramaturgia, assim como os traços sociais e feministas que a inspira. Provisoriamente, o título agora é Dramaturgias de PalhaçA: dispositivos de gênero e feminismos. Pretendo analisar como se constroem essas dramaturgias múltiplas, quais seus contextos (teatrais, circenses, de rua), que feminino é esse? – de quem estamos falando?, os feminismos inerentes (defasados, progressistas e inclusivos), entre outras questões que este universo pode abranger.

          Pesquisa-se os modos pelos quais a comicidade feminista responde e contesta as imposições de gênero demandadas às mulheres e como, assim, consolida-se como instrumento para criações dramatúrgicas cômicas. A pesquisa terá como base o quadrado: referências bibliográficas, entrevistas, análise de cenas de palhaças e criação de espetáculo solo de minha palhaça, Malagueta.

          Uma de minhas descobertas mais potentes realizadas por meio dos instrumentos de busca apresentados na disciplina, a meu ver, foi o livro Saúde Mental, Gênero e Dispositivos: cultura e processos de subjetivação, de Valeska Zanello. A obra, por sua vez, apresenta outros autores que merecem espaço neste estudo, como é o caso de Michel Foucault em seus História da Loucura (1982), História da Sexualidade 1: vontade de saber (1993) e Microfísica do Poder (1996). Estes títulos nos auxiliarão a identificar traços patriarcais impostos em nossa sociedade, com vistas a serem reconhecidos e combatidos pelos entendimentos e dramaturgias feministas de algumas palhaças.

          Outra atividade que ampliou minha perspectiva foi a análise de teses. Por meio da prática analítica, pude entrar em contato com obras referentes ao riso, à dramaturgia e à mulher em cena, com destaque para o trabalho de Luciane Olendzki, sobre a poética do palhaço, e para a obra de Lúcia Romano, sobre a performatividade do feminino no teatro contemporâneo.

QUESTÃO METODOLÓGICA

          Abaixo, apresenta-se um diagrama que explicita as ações investigativas que serão realizadas na pesquisa, de forma concomitante. Ressalta-se que a análise de cenas de palhaças surgiu de ideias apresentadas em uma das aulas da disciplina Metodologia, em encontro voltado a esboçar possíveis formas de averiguar processos artísticos.

a


          A palhaçaria praticada por mulheres nem sempre aborda temáticas feministas em suas criações, podendo inclusive, reforçar e reafirmar estereótipos machistas, misóginos e patriarcais. Como recorte, nos debruçaremos sobre criações de palhaças que têm como objetivo construir uma dramaturgia que aborde questões de gênero, que toquem em reflexões politizadas, que envolvam denúncia e crítica social.

         As referências bibliográficas buscadas abrangem estudos sobre o riso e a contextualização da palhaçaria, passando pelo surgimento de mulheres palhaças e finalmente focando nas brasileiras contemporâneas. Os diversos entendimentos acerca de dramaturgia também terão seu lugar na procura por investigações que possam amparar na compreensão dos processos composicionais em arte. Para completar, os diversos movimentos feministas existentes atualmente serão averiguados e serão complementados pelas análises dos dispositivos de gênero.

          Pela experiência vivida na matéria Metodologia, pude perceber o quanto é importante o trabalho de preparação para entrevistar. Já havia entrevistado dois artistas em meu mestrado, porém compreendo que meu desafio agora será maior, não somente devido à quantidades de pessoas a serem entrevistas, em torno de dez, mas pela qualidade da informação a ser captada. Muitas vezes me peguei planejando questões que eu gostaria que as entrevistadas respondessem de determinada maneira, que atendesse meus interesses e me confirmassem uma suposição. Mas a realidade pode ser mais complexa, tendo em vista que a resposta pode seguir por diversos caminhos.

          De qualquer maneira, aproveitei que estavam previstas no pré-projeto entrevistas com as palhaças Pepa Plana e Maku Fanchulini, e que tinha que realizar uma live para um projeto à parte1. Então as entrevistei para a disciplina de Metodologia também. Apesar de ter sido realizada uma entrevista com duas pessoas ao mesmo tempo e de ter tido o tempo de uma hora e meia (consideravelmente longa), percebo que demoramos a adentrar os temas que tinha mais interesse. É provável que tenha que fazer uma segunda parte da entrevista com ambas as palhaças.

          Por meio de vídeos e observações ao vivo serão analisadas cenas e números de palhaças contemporâneas. Buscarei selecionar cenas do território brasileiro atual, realizando, assim, um mapeamento de trabalhos feministas de palhaças nas cinco regiões do país. Há ainda uma pequena dúvida sobre essa questão territorial, se será possível a materialidade deste estudo fazendo um recorte geográfico. 

          Um espetáculo solo da minha Palhaça Malagueta será criado no próximo semestre e será a quarta fonte da presente pesquisa. O espetáculo já vem sendo pensado há alguns anos, e finalmente será subvencionado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Goiânia. A montagem se inicia em janeiro e traz aspectos relevantes, ligados aos estudos decoloniais. A abordagem se dará pensando em como as questões da mulher inspiram a criação de dramaturgias denunciadoras e em como estas criações influenciam na tomada de consciência sobre a situação feminina: uma via de mão dupla.

          Abaixo apresentamos um cronograma atualizado:

2020/2

2021/1

2021/2

2022/1

2022/2

2023/1

2023/2

2024/2

Cumprimento dos créditos

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Criação de espetáculo

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Entrevistas

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Pesquisa bibliográfica

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Análise de dados (bibliografia, entrevistas e criação)

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Análise de vídeos de cenas

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Redação do texto de qualificação

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Banca de qualificação

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Redação de texto final

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Depósito da tese

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Banca de defesa

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          Sendo a arte o objeto desta pesquisa, observa-se a necessidade de encontrar instrumentos de investigação e escrita adequados e coerentes com tal natureza. Nesse campo, a pesquisadora que vos escreve se adentra e se mistura, se transforma e transforma o objeto; ela analisa e reflete de dentro, nem sempre se restringe a ser mera observadora externa. Nesta perspectiva, podemos empreender à pesquisa um olhar cartográfico, que agencia e afeta diversas fontes, como é nosso caso (bibliografia, entrevistas, análise de cenas e criação de espetáculo).

          Utilizaremos métodos que mapeiam o processo de construção desta dramaturgia cômica feminista; que criem conexões, enlaces, entrelaçamentos, agenciamentos e que abram espaço aos atravessamentos. Assim, partindo de um saber-fazer, desenvolveremos um pensamento que acolhe o conhecimento adquirido em ato, em processo, de forma subjetiva. Trata-se de um projeto de pesquisa teórico-prático de análise da criação de dramaturgia das palhaças.

INQUIETAÇÕES E POSSIBILIDADES

          Como e por que se ri de mulheres? Do que se ri? Por que elas provocam o riso? Estas são algumas indagações e indefinições adotadas para nortear a pesquisa. No encalço de tais questões, e considerando as palhaças que se utilizam de dramaturgias com teor feminista/denunciador, a possibilidade de se partir dos estudos de dispositivos de gênero trouxe luz ao nosso caminho. Por meio destes estudos pude vislumbrar como a imagem imposta à mulher e a quebra destes mesmo paradigmas podem causar estranhamento e direcionar a reflexão de quais lugares a mulher pode ocupar.

          Quando uma palhaça fala com voz grave, por exemplo, podemos identificar este elementos cênico como um código comportamental quebrado, o que nos causa riso. O deslocamento do que naturalmente se esperaria de uma mulher (ser frágil e suave) se contrapõe ao que está sendo colocado em cena, o que ampliaria o entendimento de como os papéis sociais influenciam na vida coletiva, tudo isso por meio da raça. Por isso acredito que estudar dispositivos de gênero pode ajudar no reconhecimento de ações de denúncia, de dramaturgias que podem ser consideradas feministas.

          Por um instante cheguei a pensar em abandonar o contexto feminista e me debruçar sobre a dramaturgia da palhaça. Porém, estudar a dramaturgia da mulher palhaça seria um objeto mais amplo, talvez tão vasto que seria impalpável. Ainda na sina de delimitar melhor o recorte da pesquisa, percebo que escolher afunilar o foco apenas em trabalhos feministas, apesar de toda a complexidade e polifonia dos discursos feministas atuais, poderia ser um caminho lúcido.

          Uma possibilidade levantada durante o semestre é a de fazer um recorte territorial, escolhendo palhaças das cinco regiões do Brasil para analisar suas dramaturgias. Ainda sem definição para este ponto, sigo recolhendo materiais de vídeos e observando como as cenas com teor feminista que arrancam risos se sustentam e subvertem dramaturgias clássicas da palhaçaria.

SUMÁRIO PROVISÓRIO

          Apresento abaixo um sumário provisório:

DRAMATURGIAS DE PALHAÇA: Dispositivos de Gênero e Feminismos

INTRODUÇÃO

VOLUME I – DOR E GRAÇA: SUBSTANTIVOS FEMININOS

1. OS DISPOSITIVOS DAS MULHERES
1.1. Ser mulher: uma discussão de gênero; 1.2. O que é feminino;
1.3. Mulheridades;
1.4. Contextualização do feminismo;
1.5. Feminismos atuais: por uma voz plural; 1.6. A mulher na cena brasileira;

2. PALHAÇARIA E O PODER DO RISO 2.1. De onde vem o riso?;
2.2. Palhaçaria no Brasil;
2.3. Palhaços e clowns;

3. A PALHAÇARIA FEMININA
3.1. O surgimento das palhaças no Brasil; 3.2. O termo palhaçaria feminina;
3.3. Representatividade de gênero;

     3.3.1. Voz e representatividade;

     3.3.2. Os discursos dos homens palhaços;
3.4. Palhaçaria feminina na cena contemporânea; (entrevistas e análises de cenas)

4. A DRAMATURGIA
4.1. A tessitura da palhaçaria; (entrevistadas e analisadas) 4.2. A poética da mulher palhaça.

5. ESCRITAS MALAGUETEANAS 5.1. O chamado da loba;
5.2. Um mergulho profundo;
5.3. Testagens e escuta de si; 5.4. Decolonizar-se;

5.5. Processos e encontros.

VOLUME II – ENTREVISTAS

1) Ana Luisa Bellacosta (preta);
2) Karla Concá (grupo Marias da Graça, pioneiras);
3) Manuela Matusquella (organizadora do Festival Palhaças do Mundo); 4) Gena Leão (circo de lona, era palhaçO);
5) Daiane Brum (lésbica);
6) Fran Marinho (de rua);
7) Circo di SóLadies (trio de palhaças feministas, duas homossexuais);

8) a argentina Maku Fanchulini (de rua, sul-americana);
9) e a espanhola Pepa Plana (de teatro, mais experiente).

Referências Bibliográficas

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BOLOGNESI, M. F. Palhaços. São Paulo, Editora UNESP, 2003.

CASTELO BRANCO DE OLIVEIRA CARDOSO, Manuela. Nedda, Colombina, Matusquella e Zerpina: ensaios sobre palhaçaria e ópera. Orientador: César Lignelli. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) — Universidade de Brasilia, 2018.

CASTRO, A. V. O Elogio da Bobagem: Palhaços no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Editora Família Bastos, 2005.

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MENDONÇA, G. C. Quando o chão não basta reflexões sobre a virtuose acrobática em uma criação aérea circense.(Dissertação) UNICAMP, Campinas, 2016.

OLENDZKI, Luciane de Campos. O trágico alegre e a afirmação da vida na poética do palhaço: exercícios de composições clownescas. Campinas, SP: Unicamp, 2019.

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1 O Projeto Pandoras é um projeto de circo feminista, aprovado pelo Fundo de Cultura do Estado de Goiás, ano de 2018; está sendo realizado de setembro à novembro de 2020, de forma online.

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