ENTREVISTA COM RUTH GUIMARÃES [ENTREVISTADA POR JORDANA MASCARENHAS]
Entrevista com atriz e arte-educadora Ruth Guimarães para o documentário TEIA - Mulheres de Teatro, dirigido por Jordana Mascarenhas. O documentário consiste na história de Brasília contada pelas mulheres do teatro. Está em processo de gravação e tem estreia prevista para 2021. Transcrição Feita para a disciplina Metodologia de Pesquisa, do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade de Brasília, Ministrada pelo Pr. Dr. Marcos Motta.
Quem é você?
Meu nome é Ruth Guimarães, aliás meu nome é Ruth Guimarães de Moura
Brito. Escolhi o Guimarães como nome artístico porque é um nome super forte na
minha família. Minha família é uma família de mulheres fortes, de mulheres
doidas.
Como é sua história no teatro?
Quando você me chama para dar essa entrevista, eu penso: gente, mas eu
sou atriz por atrevimento. E eu falo mesmo: eu sou atriz por atrevimento. Não
sou atriz de formação. Eu comecei a fazer teatro na arte educação. A minha geração
foi uma geração que acreditava que o teatro poderia mudar as coisas, que a
educação iria transformar o mundo. Eu tive o privilégio de ser contratada pela
Fundação em 1969, e na época eu tinha feito um curso de artes industriais. Na
época não tinha curso de formação em artes cênicas, em teatro aqui em Brasília.
Foi quando a fundação começou a perguntar quem tinha interesse em ser
professora de teatro e eu tinha o bichinho do teatro.
Eu já fazia um trabalho no Guará onde eu morava. Criei uma escola de teatro
lá. Se chamava Escola de Criatividade, copiei de alguém esse nome, não
foi invenção minha. Eu escutei alguém falando e copiei. Criei essa escola na
biblioteca do Guará e lá eu comecei a fazer meus ensaios de teatro, juntar uma
galera e fazer as coisas. Nós montamos o Auto de Natal, nós montamos As
Pastorinhas...
Quando a Fundação Educacional
abriu a oportunidade, eu fui fazer o curso de teatro, porque, como não havia
professores formados ainda na época, a fundação perguntou quem tinha interesse
em ser professora de teatro, em trabalhar com o teatro na educação. Eles iriam
promover uns cursos de teatro eu ficava tão empolgada! Nos cursos eu pensava: o
que isso tem a ver com o teatro? Esse povo anda para lá, anda para cá e caminha
para lá e caminha para cá... Então, surgiu a oportunidade de substituir
uma amiga. Acho que foi em 1975. Uma grande parceira minha estava grávida e me
mandaram substituir ela. Eu nessa época morava no Guará e mudei para o plano
piloto. Quando mandaram eu substituir ela para dar aula de Artes Cênicas eu
disse: Hãm?!
Fui substituir essa amiga, a Nádia João, e eu fiquei uns 15 dias
enquanto ela estava de licença. Nessa época ela estava se formando na UnB,
cheia das teorias Stanislavski, Grotowski, Brecth... E eu não sabia nem quem era esse povo. E eu ligava para Nádia e perguntava:
Nádia, o que eu faço... o que eu faço? nessa época eu também
estava fazendo umas disciplinas na UnB para pegar as manhas do teatro. Havia
uma figura lá lindíssima! Maravilhosa! a Helena Barcelos, que era professora de
Artes Cênicas da UnB. Ela me deu muita força! Eu chegava lá, desesperada, e
pensava: ai, meu Deus! O que eu faço? E a Helena chegava para mim e dizia:
calma, Ruth! Vai na tua intuição e relaxa.
Como foi fazer teatro na ditadura?
Nessa época também a diretora da escola, isso foi na época
da ditadura brava em mil novecentos e setenta e pouco. O AI- 5 foi instituído
em 1978, então a gente estava totalmente engessadas: as ideias, as ações,
mas a diretora dizia: Ruth, fecha a porta da tua sala e faz. Uma vez a
gente montou um trabalho com os alunos e a Áurea Liz, ela era minha aluna, no
dia da estreia me entra com uma bandeira do Brasil. Chamava Vida de Estudante,
o espetáculo eu me Lembro até hoje.
Quando a Áurea entrou com a bandeira do Brasil a diretora olhou para
minha cara e disse: porra, Ruth! Que merda é essa? E ela não falou
mais nada. Para o meu espanto. Aí eu cheguei no camarim e disse para a Áurea:
você é louca? Vai colocar a bandeira do Brasil assim agora? A gente não vai
poder apresentar esse trabalho, não. E nós apresentamos em quase 100
escolas na época. O que foi um paradoxo porque eu vivi isso na época da
ditadura. A gente se juntava, eu lembro que éramos eu, Nádia, Sônia,
Maria Duarte, que era uma professora de plásticas maravilhosa, Fátima Lacerda,
que é minha grande parceira, estamos montando um espetáculo agora. A
gente fez 36 horas de artes ininterruptas no Campus, de madrugada, de manhã,
era música, teatro, dança. A gente acreditava que o teatro fazia a
diferença. E como fez a diferença nesse país!
Como ficou sua carreira depois?
Depois eu comecei a trabalhar no Celeiro das Antas. Quando
eu fui trabalhar lá eram 10 pessoas montando um espetáculo, uma confusão e eu
não tenho muita paciência com grupo, porque é cheio de problema. Aí eu saí do Celeiro
das Antas E pensei: agora só faço teatro se for carreira solo. Vai
ter gente que gosta, vai ter gente que não gosta, mas eu vou estar fazendo o
que eu gosto e o que eu quero. Estou dando bonde para minha paixão. Minha
primeira peça solo foi uma comédia romântica. Nem por que eu fiz isso. O nome
era “ até que a vida nos separe”.
Depois disso eu entrei na menopausa com 48/49 anos e aí eu me
desesperei. Escrevi um texto cheguei para o Ricardo e disse: Ricardo, eu
preciso falar disso no teatro. Ele escreveu para mim o texto que se chama A Idade
da Loba. É um texto belíssimo! Belíssimo... Eu apresentei esse
texto e depois, no ano passado, depois da minha apropriação da velhice,
eu mesma escrevi o velhice ponto G. Também sem edital. A peça questiona
em que ponto da velhice se encontra prazer.
Como é envelhecer?
Envelhecer não é fácil. Aliás, envelhecer não, né? Ficar velha não é
fácil. E olha que eu sou uma velhinha saudável! Eu não romantizo a
velhice. E não venha com esse papo de melhor idade, não. É
velha. Não tem jovem? Não tem criança? Então, eu sou velha. Uma
hora vai despencar não vai, então é melhor ir aceitando isso devagarinho,
porque o susto é menor.
É difícil fazer teatro?
Fazer teatro para mim é difícil para caramba. Viver de teatro em um país
que não tem uma política cultural séria é muito difícil. A gente
paga um preço absurdo por pauta. Uma vez eu fui estrear o meu solo, esse
último, e pensei: vou fazer no Teatro Goldoni e vai ser com bilheteria. Eu fiz
dois finais de semana e rendeu R$ 8.00,00 de lucro. Comprei duas latinhas
de cerveja e acabou. É tão cruel a nossa política cultural que a gente
não pode contar com talento. A gente tem que socorrer os amigos.
Outra coisa mais séria que eu acho é quando se ganha o edital e não
cobra ingresso. Assim, o que a gente passa para o público? Que
artista não come e não paga aluguel. Cobra R$ 10.00,00 e R$ 5.00,00, gente!
Mas o público precisa saber que tem que pagar. O ato de pagar é importantíssimo
para formação do cidadão também. A arte, seja ela em que área for, é um produto
que requer trabalho e muito trabalho, muita dedicação e isso tem preço. Eu
abro espaço para mostrar a minha vida e a minha história no teatro. Eu empresto
o meu corpo para um personagem e isso não tem preço?
Eu sempre fiz um teatro político e sempre vou fazer. Enquanto eu tiver
força e perna pra correr, né?

Que legal a entrevista e o projeto Jordana.
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