Entrevista com Renata López Cristo (por Mariana Volfzon Mordente)
UNIVERSIDADE DE BRASILIA
Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas PPGCEN
Disciplina: Metodologia
Discente: Mariana Volfzon Mordente
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Entrevistada: Renata López Cristo, pesquisadora e artista oaxaquenha, mexicana.
Co-fundadora do projeto artístico ADN- Casa Cultural del Barrio, centro cultural e artístico, que engloba o grupo Teatro Indígena Urbano. Investigadora da pesquisa Pitao Pekala, sobre elementos cênicos de origem mesoamericana nas manifestações culturais da região dos vales de Oaxaca.
Entrevista traduzida do espanhol para o português pela própria entrevistadora.
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Mariana Volfzon Mordente: Minha querida Renata, agradeço muito a oportunidade de conversar com você, pensei em ti e na tua pesquisa no minuto em que foi proposto esse trabalho de entrevista, admiro muito teu trabalho!
Bom, vamos às perguntas. A primeira pergunta é sobre a sua pesquisa, que eu sei que se relaciona com uma ideia de teatro zapoteco, mas eu não sei como você o nomeia, você pode nos contar um pouco?
Renata López Cristo: É uma investigação de elementos cênicos da era mesoamericana dos Zapotecas do Vale de Oaxaca. É muito específico, porque em Oaxaca estão os Zapotecas do Vale, da Serra, etc. Portanto, é muito específico, porém, só lido com os vales de Oaxaca, mas também trabalho com a Serra, com o Istmo, com a Cañada, com as oito regiões do estado. Não apenas com a cultura Zapoteca, mas também com a cultura Mixteca e por isso também que colocamos e nomeamos (a pesquisa) a partir dos elementos de origem mesoamericana, que passaram para o mestiço e que se tornaram contemporâneos. E nomeamos Pitao Pekala, porque até hoje não sabemos se existe um nome de origem. Na língua materna, não sabemos se havia uma nomenclatura para isso, uma conceituação para a palavra artes-cênicas.
Entretanto, há palavras para nomear músicos e intérpretes, dançantes, então acreditamos que deveria ter alguma palavra que resume essa arte, mas enquanto isso, a chamamos Pitao Pekala.
M: E qual é o significado de Pitao Pekala?
R: Demos-lhe o nome de Pitao Pekala devido à necessidade de nomear de alguma forma esta concepção estética, mas em Oaxaca há uma lenda de como o mundo foi construído... e o Pitao é a força de todo o universo, é homem e mulher ao mesmo tempo...é homem e mulher, é a terra e o fogo, o ar, o vento, os animais, o sol, as nuvens e o universo que não entendemos, o submundo, são todas as energias da existência. O Pitao é o que se faz a si mesmo.
Eu não quero falar ele, porque não é masculino. A cultura judaico-cristã entende esta força como deus e na cultura judaico-cristã, a ideologia cristã, que domina no período da colônia a Mesoamérica e América Latina e todo o resto, impõe sua visão européia do que é a divindade. Então, eles chamam de Deus, mas o Deus judaico-cristão é do gênero masculino. Os anjos não têm gênero, mas Deus tem, mas a cultura Zapoteca é mãe e pai ao mesmo tempo, porque o que entendemos é que todos nós temos energia feminina e todos nós temos energia masculina vivendo dentro de nosso ser, então não podemos simplesmente dizer, não podemos nomear Pitao como se fosse o Pitao, porque é mãe e pai de tudo.
Então, a visão européia não é a visão mesoamericana, então eu tento não chamá-la de masculino, porque não quero que seja entendido como Deus, mas como mãe e pai, vou me referir a ela como a energia da mãe e do pai.
A figura de Pitao que é mãe e pai de tudo é aquela que representa todo o universo...a lenda diz que Pitao se faz a ela mesma, então ela disse: - eu vou nascer. E nasceu.
Pitao que é a força superior de todas as forças começa a designar seus irmãos ou seus filhos como responsáveis por cada força do universo. Então, temos Pitao Cozana que é o Pitao da colheita, da semeadura, da safra e, assim, há diferentes tipos de Pitao. E, então, entre todos os Pitaos há uma figura que é a figura de Pitao Pekala... e a figura de Pitao Pekala é a figura que guarda ou materializa sonhos. Portanto, quando estávamos pesquisando todas as divindades, para nos entendermos em espanhol, que originam Pitao encontramos isto: o que cuida e protege os sonhos, os materializa. Então dissemos: - vamos colocar Pitao Pekkala, por enquanto, porque é a coisa mais próxima que encontramos. Assim, Pitao é uma força que faz tudo, como a força, a energia que há em tudo e Pekkala é o sonho que não é a realidade, mas que também pode se tornar possível. É o guardião de tudo isso, está na imaginação quando seu corpo dorme. Portanto, é a coisa mais próxima que encontramos dela e é por isso que tomamos a nomenclatura desta "divindade", entre aspas. E tomamos a nomenclatura dessa força para nomear nosso trabalho cênico e o que ela representa. É como o que vemos que está mais próximo da ficção...o mais próximo da ficção que encontramos.
M: Uma outra pergunta, falando sobre Pitao Pekala e trazendo a questão do sonho, da maneira como você está olhando para a pesquisa e até mesmo a criação no processo criativo, você traz os sonhos como parte de seu processo criativo ou como esta relação com os sonhos funciona?
R: Eu não sei se é tanto o sonho, mas sim é a ficção. E também nossa cultura originária, porque eu sou bem mestiça, você pode ver como sou mestiça, sou muito oaxaquenha. Nossa raiz originária tem outro contato com a vida, tem outra filosofia com a vida que é diferente e o uso das palavras é diferente, então eu não sei se é como um sonho, mas é uma maneira de materializar o que não é material em nosso mundo. Há palavras para chamar tudo o que é imaterial, que são as energias do submundo, penso que dentro da construção que estamos fazendo para poder abordar a técnica ou no treinamento de Pitao Pekala, devemos modificar um pouco nosso pensamento e permitir que essas energias que agora são chamadas de personagens, se encarnem, que é um dos cantos que fazemos, nós fazemos o Janijak. Então, no Janijak, o que fazemos é chamar o espaço do onírico. Mas, prefiro pensar no espaço da ficção, porque podemos chegar a invocar, trazer outras forças, é por isso que é muito delicado, ou seja, sei que é necessário trabalhar muito delicadamente esses processos.
M: Você tem trabalhado de forma diferenciada em relação ao que as pessoas chamam de encarnação do personagem no teatro ocidental. Estou entendendo que no Pitao Pekala, você entende o personagem como a encarnação de uma força de fato, uma energia, que atua através do corpo do ator e da atriz.
R: O que acontece... porque não sei se é uma técnica ou um método ou exatamente o que é, eu realmente não gostaria de dizer a técnica oaxaqueña de meus antepassados, porque estaria cometendo uma falácia. O que estou fazendo é um treinamento que me permite partir de minha cultura, gerar um processo de ação mais coerente. Ele nasce, inclusive de um ato de rebeldia.
Há muitos anos este projeto nasceu... mas quando falamos do processo de formação de atores para a criação de personagens, estamos falando de analogias, no entanto, elas não são a mesma coisa. Expliquei, há 15 dias para meus alunos, que o que acontece é que, por exemplo, o teatro que eles me ensinaram na escola, na academia, me falava de um corpo neutro. Um corpo neutro que tinha certas características, para que, assim, você pudesse modificar seu corpo e construir um personagem, com base na neutralidade de seu corpo. Portanto, a primeira coisa que você tinha que entender era qual é sua corporeidade, sua postura, seus eixos, seu alinhamento e entender como criar um corpo neutro, com uma respiração neutra para ser capaz de realizar essa corporeidade e personagem, etc. Então, comentei com meus alunos, que em nossa cultura não é assim. Nossos intérpretes chegam a se apresentar e dançar até por 24 horas seguidas, do início da festa patronal até o dia seguinte. Eles usam muitas coisas para se manterem bem, coisas que eu pessoalmente não usaria, de repente eles estão bebendo e coisas assim...
Mas, essas ferramentas ou essa maneira de fazer as coisas têm que ser vistas como uma questão cultural, não como um treinamento de atuação. Isso não é só uma questão cultural, mas o que eu percebo disso, o que acontece é que nosso corpo deve ter um treinamento de transcendência, não pode ser um treinamento de neutralidade, não podemos treinar a neutralidade, nós temos que treinar a transcendência é o que teríamos que entender para nós mesmos. Assim, a partir da identificação deste primeiro elemento, por exemplo, estou começando a gerar todo um exercício que tem a ver com o trans-cansaço e o uso do nosso corpo como cultura. Os oaxaquenhos, somos muito terrenais, saltamos mas caímos com força, os da Sierra dançam como se estivessem flutuando, como se fossem uma nuvem, mas os do vale batemos fortemente no chão, porque cada cultura tem um uso e um manejo de seu corpo.
É por isso que algo que eu vejo repetidamente na festa do Santo Patrono ou com os dançarinos tradicionais é que o que eles fazem para se manterem é transcender. Então, para se manterem na dança constante é preciso transcender, ou, então, eles dançam por turnos. Por isso, o corpo deve ter esse treinamento e esse treinamento não é visto do mesmo lugar. O treinamento que eu recebi, penso que europeu ou estrangeiro, busca a neutralidade, mas aqui em Oaxaca buscamos a transcendência do corpo. Certamente como na Índia ou no Japão também.
M: E quando você fala de transcendência, você se refere a este treinamento em relação às energias, com as energias do universo, de como se conectar com essas energias, como se deixar dançar por essas energias?
R: No México temos uma figura que é o Quincunce, é um losango, que também se transforma em um quadrado. E o Quincunce é a representação gráfica do universo. Portanto, ela tem um centro e tem os quatro pontos cardeais. Mas, cada ponto cardeal tem um significado diferente e o centro que é o xyicho’, em Zapoteco, que é o umbigo, mas não é o umbigo como apenas um centro, é o centro do universo. É um centro ativo que gera movimento, que gera vida.
Então, as energias vêm de todas as forças, porque não estão apenas apontando para o norte, sul, leste e oeste e para o sol, mas estão apontando a partir de seus lugares, são forças diferentes, uma energia diferente da vida que passa por xyicho´ e de xyicho´ sai novamente Então, quando estamos treinando as forças para a transcendência corporal passamos pelas quatro energias e pelo centro o tempo todo. Todas as energias passam pelo centro, porque são as energias que estão transformando o todo.
Agora, na cultura mesoamericana não pensamos como na cultura européia, no bem e no mal, como se houvesse apenas um eixo onde está o bem e o mal e que a energia é boa ou ruim. A energia está à frente e atrás, é baixa, é alta e cada zona tem lugares diferentes. Cada zona tem uma característica diferente. E, então você, por exemplo, quando está no sul tem o frio, é o que pensamos com nosso pensamento mais europeu, que no norte você tem o calor ou vice-versa. E aqui não é assim. No sul você tem o espaço da incerteza, o sul é de cor azul, é a incerteza. E o norte é o espaço do submundo e é negro, é onde existem todas as energias. O fato de que as energias são do outro lado, não significa que sejam energia do diabo. Essas coisas são do pensamento cristão. São apenas energias que estão do outro lado, são energias que faleceram, podem ser energias muito violentas ou podem ser energias muito dóceis ou podem ser energias muito sábias.
Só que eles já vivem em outro céu, no céu do submundo e há um grande fardo de escuridão lá, então está frio. Todos aqueles que não têm mais carne vivem lá, é por isso que não há calor, nenhum batimento cardíaco, as almas que já transcenderam vivem lá. E lá também, dependendo de como eles são vivem em certos céus, porque no submundo também há divindades. Então, no norte vive-se em certos céus e cada céu tem suas formas. Bom, isso se dá no sul e no norte.
Agora, no leste e no oeste é o eixo da vida, por isso digo que não se parece com a ideologia judaico-cristã. Há coisas que são semelhantes, porque todos as culturas pensam da mesma forma, somos os mesmos humanos, temos o mesmo cérebro, vamos chegar às mesmas conclusões, mas a partir dos nossos próprios olhos. Há versões do mundo como há pessoas nele. E toda cultura também tem suas coisas. Dizem que lá no submundo está o diabo. Mas, o diabo não é uma figura mesoamericana, não há demônio da Mesoamérica, mas há forças violentas, comedoras, devoradoras, assassinas, que saem e dizem: - hoje que vou acabar com essa cidade. E, sim, destroem tudo. Em outras palavras, não é porque o povo fez algo errado, mas porque a divindade quis sair e comer um povo. A divindade sai e come. Essa é a vida
M: Essa é uma inteligência maior que a do indivíduo.
R: Porque, além disso, é como se aprendêssemos no catolicismo, que se você se comporta mal, vai vir o diabo pra te levar. A ideologia Maia, por exemplo, a ideologia Zapoteca, não sei se os Astecas também têm a mesma forma de pensamento, imagino que algo semelhante aconteça, mas os Maias e os Zapotecas pensam de maneira diferente. Então, os Zapotecas não dizem:- me comportei mal e é por isso que tenho um castigo e Deus me esqueceu. E dizem: - ó, Deus, o que fiz para que me abandonasse. Não é assim. Os Zapotecas pensam que os tsunamis são parte da natureza, um terremoto faz parte da natureza, é a vida, outra coisa é o que você faz com suas ações e a partir das suas ações você tem que responder no mundo. É por isso que havia escravos no México antes da invasão dos espanhóis. Havia escravos e os escravos eram para que você pagasse pelos danos que você tinha feito àquela pessoa. Então, se você cometeu um crime contra mim, eu digo: - é que a Mariana roubou meu cachorro e o comeu! E você diz: - Fiz isso, porque eu estava com fome e não tinha nada para comer. E, então eu digo:- ah, bem, então Mariana você será escrava da Renata, você vai trabalhar para ela sem receber nada pelo seu trabalho até que a dívida seja paga. E eu tenho que te dar um lugar para viver, comida, mas seu trabalho seria para mim.
Eu não tenho conhecimento de que havia atos vândalos e assassinos como a forma na qual os espanhóis lidavam com os escravos, que amarravam, torturavam e marcavam as pessoas. Não tenho conhecimento disso na cultura mesoamericana. Sim, estou ciente de castigos para as crianças, tortura de inimigos e também situações de estupro. Há alguns escritos sobre isso e como eles puniam os crimes, cozinhando as pessoas na folha do milho, como tamales (espécie de pamonha). E aqueles que comiam primeiro, eram os e as que tinham sido estuprados, eram aqueles que comiam o tamal primeiro, para que o crime não voltasse a acontecer.
A escravidão com Espanha aconteceu de maneira diferente. Não só porque eles levaram as meninas embora, mas porque muita coisa aconteceu. Eles chamavam as pessoas para afiar suas espadas e testavam o quão afiadas estavam, cortando as crianças.
M: De uma perversidade sem precedentes...
R: Até agora não sei se aconteceram tantas brutalidades quanto às culturas originárias, não sei se porque as temos sacralizadas, porque de repente também temos estes pensamentos, como se não houvesse povo tão bom como os Astecas... não era assim, os Astecas também eram muito violentos. É por isso que os espanhóis conseguiram avançar tanto.
M: E você estava falando sobre o Quincunce. Você pode falar sobre os eixos leste e oeste...
R: Oriente e Ocidente é o eixo da vida. E, então, onde o sol nasce, a cor amarela representa alegria, felicidade, doçura, tudo que é belo. E do outro lado onde o sol se põe estão as mulheres...eu gosto, porque as mulheres estão representadas nos eixos, porque vemos as mulheres como seres fracos e frágeis. Há toda uma construção da minha geração que ainda pensa que as mulheres são fracas e não me refiro a uma força física, mas também a uma força humana ou que elas são colocadas sobre um altar. Então, descubro o eixo vermelho e descubro que é o único eixo onde há um humano, porque todos os outros são como energias, mas aqui há um humano e o humano que representa o eixo é a mulher, porque é a união do céu e da terra e a cor é vermelha, porque é a mulher que dá a vida, a que pare, através delas nascem os humanos, os didxáza, como se diz em zapoteco.
Quando as pessoas nascem, elas nascem através da mulher. E, então, é o sol que chega, é a terra e a mulher representa a terra que é fertilizada, a terra que dá vida, a terra forte, a terra que nos alimenta e que é o eixo vermelho .Então, de um lado temos o sol nascente do outro temos o sol que se mantém, mas com a energia feminina conosco estamos passando por todo esse eixo.
Nós fazemos uma busca corporal primeiro em nós, de nosso corpo, de nosso ser e em que energia nos identificamos primeiro, porque você não tem só uma energia, porque não é assim o universo. É por isso que tudo passa por xyicho´, você tem todas as energias. Às vezes você se sente mais confortável com uma energia, às vezes com outra energia, mas em xyicho´ você tem todas essas energias que fazem parte de você, porque você também é universo.
Assim, os personagens também são compostos de todas essas energias. E quando você começa a interpretar um personagem, você pode identificar qual energia esse personagem move ou qual energia esse personagem tem enquanto vive. Nós como humanos sempre temos mais uma energia do que outra e o personagem sempre terá mais uma e haverá algumas que ele não tem e depende de como a peça está escrita...
M: Este trabalho é muito poderoso, porque destoa da tradição do teatro ocidental, que tem contribuições interessantes, mas deixou de ver e considerar as culturas que foram colonizadas e resistiram em sua sabedoria e em seus modos de fazer. Há formas de compreensão da vida que você traz das culturas Zapotecas, Mixtecas, Maias....compreensões de uma percepção mais complexa da vida, a partir de uma perspectiva relacional diferente de entender a vida, uma forma mais multidimensional. Para sair...
R: Do individualismo, porque esquecemos muito que o teatro fazemos coletivamente, entre vários, que somos comunidade.
M: Sim...e você acredita, então, que o Pitao Pekala é uma recriação que se alimenta da raiz, tanto através da ativação do corpo, que se conecta com a sabedoria das energias, quanto do material registrado na história, uma combinação destas duas formas de investigar?
R: O que eu queria responder primeiro era se tínhamos teatro mesoamericano, porque eu estava muito preocupada. Pensava no Kabuki, por exemplo, porque algo assim deveria existir no México. Não pode ser que não tivéssemos tido um desenvolvimento artístico. E isso é o que fomos levados a acreditar, de que toda a América Latina, toda a Mesoamérica eram bárbaros, que não sabiam nada sobre arte. Como se não tivéssemos espiritualidade...hoje em dia, se você procurar arte mesoamericana, arte pré-colombiana nos museus, se você coloca no Google...um exercício que eu passei para meus alunos, colocar exposição de arte mesoamericana no Google...você encontrará principalmente em museus de arqueologia e antropologia, porque ainda é considerado um fato antropológico e não é considerado arte até hoje. Em 1980, uma galeria de New York abre por primera vez uma exposição de arte mesoamericana. Pela primeira vez em 1980, há 40 anos.
Então, minha primeira pergunta foi: havia arte mesoamericana? Imagine quantos séculos se passara. E em alguns escritos que encontrei dizia, neste livro Huaxyaac- Guarnición Inmortal, menciona algumas passagens onde as pessoas eram torturadas por dançarem suas danças, então, pararam de dançá-las, porque o que o livro diz é que na Mesoamérica, haviam muitas danças mistas, havia exclusivamente de mulheres e de homens, mas haviam muitas mistas. E nestas danças mistas regularmente tocavam-se muito. Então, eram danças onde se abraçavam, onde se tocavam, onde havia muito contato físico, para a Espanha isso era um sacrilégio:- têm um corpo e riem.
E, depois, houve muitas punições, chicoteavam as pessoas, cruzavam o corpo das pessoas com lanças, porque estavam dançando, então, as pessoas deixaram de fazer suas danças. Mas, em muitos lugares, mesmo que quisessem, a Espanha não conseguiu impedir. Euma dessas danças é feita em Putla até hoje, que é chamada a dança da sarna. Não sei historicamente qual é o registro dessa dança. Mas, acredito que seja uma dessas que resistiram. A sarna é uma dança mista de homens e mulheres e as mulheres coçam os homens e os homens coçam as mulheres por todo o corpo, porque têm sarna.
Então, o que eu vejo e o que vivo do meu povo é o que eu começo a aterrizar como investigação...como funciona? Por exemplo, eu leio o Teatro Nahuatl, que é um ensaio do mestre Miguel de León Portilla, um dos grandes historiadores do México, porque ele diz que você tem que ver a história dos derrotados e não dos vencedores...Miguel de León Portilla me fez mudar de perspectiva. Então, começo a investigar todas essas informações documentais, em livros na internet, agora que é tão fácil investigar na internet, você pode entrar na Unam, nas universidades da Espanha, do Chile, há muito matrial...também começo a pesquisar PDFs da Internet...
Há 50 anos insurgem muitos movimentos indígenas que reivindicam fazer parte da história... e na verdade esta é uma investigação que há 50 anos atrás não existia e que, no México, esse material começou a ser distribuídos há 5 ou 6 anos atrás.
M: Na experiência que tive com você, no início, vocês fizeram uma prática da limpeza, de cura. Essa prática você traz como preparação para os atores ou também é parte de uma poética da cena?
R: É para ambas coisas, mas de forma diferente. Em alguns lugares, não em todos, por exemplo, se há um ancião que vai contar algo para a comunidade...ou se a dança for apresentada ou se algo for pedido, então há um emissário que pede permissão e diz que vai pedir permissão para todos para que possamos ouvir e ver a mensagem que é trazida, para que todos possamos vivenciar essa montagem…
Em muitos lugares, quando você abre a dança, você dá comida para a terra, você toma mezcal, você dá mezcal para a terra, você toma mezcal, compartilha-se entre toda a equipe de intérpretes. Eu quero dizer que isso existe não em todos os grupos, e menos aqueles que já são mais comerciais. Bem, as pessoas vêem à Oaxaca ver a dança da pluma, então existem 500 grupos folclóricos que dançam a dança da pluma e não tem esse sentimento de ir dançar para o santo. É algo mais para o entretenimento e recreação do extrangeiro... Então, a situação que eu a trago para o treinamento, temos que entender melhor...o que deve ser feito em círculo é pedir permissão e nós pedimos permissão com água, porque eu acho que temos que beber água e como eu estou compondo o processo, eu ouso fazer do meu jeito...porque não está sendo feito para estar na cena, está sendo feito para treinar o corpo. Não estamos transcendendo ainda. Neste momento estamos procurando uma maneira de transcender.
E, então, quando vamos à cena, abrimos o compartimento. Isso é algo que temos feito no último trabalho, com o Mayauel e agora estou incluído no trabalho com os Biguinis.
M: Compartimento aberto significa...
R: Eu toco caracol, eu toco tambor e digo às pessoas que são bem-vindas, vamos ouvir e ver e que esta mensagem chegue a todos nós em nossas almas, porque é assim que precisamos das mensagens que nos são apresentadas, precisam chegar a nossas almas.
Da mesma forma, há elementos que devem ser testados para ver como o espectador o recebe, para ver se o aceita, se o rejeita, tudo porque há um preconceito de nossa cultura... se eu estou com copal (incenso) e caracol (instrumento musical), dizem: -ah, eles vão fazer algo índio. Infelizmente, as próprias pessoas do teatro pensam assim...
Eu não ligo a mínima para essas as pessoas do teatro que dizem essas coisas, mas eu me importo muito com as pessoas que vêem para ver o trabalho e com quem vamos transcender.
M: Isso é lindo, que a mensagem tem que alcançar a alma e as pessoas com as quais vamos transcender. Renata, te agradeço imensamente pelo teu tempo e abertura para compartilhar sua pesquisa.
R: Gracias a ti, gostaria de compartilhar em mais espaços e com mais pessoas essa investigação, que tal se fazemos uma sessão para a tua turma do mestrado?
M: Vamos sim! Vou propor.
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