Entrevista com Janaína Moraes [Entrevistada por Igor Passos]

Entrevista realizada dia 22 de outubro de 2020, às 19:00 horas (horário de Brasília)

Link da gravação: https://drive.google.com/file/d/1piFKvPE5gBzEKNLk85leDbakJcNme334/view?usp=sharing

Janaína Moraes é artista da dança. Suas poéticas percorrem o campo da improvisação na dança contemporânea, com interesse em convites coreográficos. Mestre em Artes Cênicas (UnB), Pós graduada em Estudos Contemporâneos em Dança - lato sensu (UFBA) e Licenciada em Dança (IFB). Idealizadora do Ajuntamento Artístico Abrindo a Sala. Foi parceira do ANA Núcleo Artístico (SP-BSB) ao longo de 2016. Morou na Austrália entre Dez 2014 - Jan 2016, onde desenvolveu trabalhos que investigam caminhos para o que a artista denomina Processos Abertos na Composição. Trabalhos estes, como: Waiting Room (Fringe World Festival/Perth Centre for Photography), Encounters (Short Cuts/STRUT Dance) e A Picnic (The Kiss Club/CIA Studios).  [Texto retirado do Currículo Lattes]

IGOR PASSOS: Eu quero te agradecer por ter aceito este convite para compartilhar esse momento…

JANAÍNA MORAES: Prazer! É uma honra! 

IP: E aí eu queria... Como acho que a gente parte de alguns desejos, algumas querências em comum, eu decidi fazer uma proposta de entrevista um pouco mais performativa, um pouco mais performática para tentar também pensar esse suporte que tem me interessado um pouco na pesquisa. E pra a gente começar a fazer isso, queria que a gente, que você na verdade, escolhesse um número de 1 a 3 que vai ser... Não, escolhe número primeiro, depois eu explico.

JM: Tá,  três.

IP: O cartão número três... nesse cartão... Lembra que eu te pedi três palavras que descrevem a tua pesquisa? Em cada cartão eu coloquei uma palavra sua e uma palavra minha sem pensar em ordem. Eu queria fazer um convite para que as palavras que aqui estão sejam a guia da nossa entrevista, meio que uma linha ética e poética para gente seguir. E olha só, falando em ética a palavra, as palavras são ajuntamento e ética.

JM: Adoro! 

IP: Bom, primeiro eu queria que você se apresentasse, dissesse quem é a Jana! 

JM: Massa. Bom, essa é sempre uma pergunta existencial. Eu tenho, já pegando as  palavras que vieram, eu tenho me percebido cada vez mais como uma ajuntadora. Tenho me interessado muito por entender como que as minhas diferentes... Acho que todo mundo é um ser complexo, né? E eu sinto que cada vez mais eu tenho me acolhido na minha impermanência com algumas coisas. Por muito tempo achei que eu tinha que saber me definir muito bem e eu acho que tenho tido mais, não sei se a palavra é conforto, talvez seja... Eu tenho me sentido mais confortável em me permitir a uma não decisão muito concreta de algumas coisas e entender  que essas impermanências, esses fluxos transitórios que compõem a Janaína, a Jana, a dançarina, a artista, a coreógrafa ou a performer ou outro nome que quiser, são lugares de passagem mesmo, né? E que eles vão se reinventando. Então acho que aí já vem uma palavra puxando a outra, né? Nessa tentativa de pensar em voz alta quem eu sou, quem eu estou... por mais clichê que isso soe. Aí voltando mais uma vez para ideia de ajuntamento, eu acho que sou um ajuntamento de vontades mesmo, de possibilidades. Também tenho me percebido muito como uma pessoa que tenta escutar os contextos e as comunidades que estão ao redor, né? Como que eu sou o que sou sempre em relação a algo, a alguém... Então quando a gente cria esse contexto para conversar, eu... Não é tão automaticamente, mas eu prontamente começo a me reorganizar e começo acessar coisas muito específicas dos meus interesses ou das minhas questões que me impulsionam como Ser mesmo e que tem uma referência muito específica, né? Eu começo a lembrar dos nossos caminhos e como que a gente pode... Acho que eu estou bem abstrata... Enfim, eu acho que essa pergunta me gera muito essas questões assim... Eu me percebo muito acionada pelo que está comigo então talvez isso seja uma coisa que para mim tem muito a ver com ajuntar também. É perceber o que vem de dentro para fora, de fora para dentro dessas minhas pulsões de desejos e de éticas... Já vou entrando com as duas palavras, não sei se era essa a proposta, mas já quero, deu vontade... De entender que isso vai gerando também éticas muito específicas. E mais uma vez permitir com que elas sejam provisórias, não me apegar tanto a uma verdade que vai estabelecer para sempre como que a gente tem que se relacionar. Acho que a gente tem um respeito e uma reciprocidade de entender junto, no caminho e depois fazer pergunta mesmo tipo, “eu posso ser a Jana que é vulnerável aqui com você agora?” ou então, “não vou perguntar porque acho que esse não é o momento. Acho que esse é o momento de acionar a Jana forte.” Acho que tem muitas questões assim, né? Falando aqui no aspecto talvez mais pessoal, relacional, acho que as coisas se confundem muito também, mas eu sinto que [isso] se dá em várias instâncias nesse arranjo de possibilidades de quem eu posso ser com quem eu estou.

IP: Já começamos maravilhosamente bem! Bom, nesse sentido você coloca dessa transitoriedade dessa impermanência, né? e dessa habilidade de se permitir ser em relação. Como que foi chegar, não, acho que não é chegar, mas como que que foi caminhar por esses caminhos? Quais foram os caminhos da Jana para conseguir hoje estar essa Jana?

JM: Bom, vou tentar... Eu tenho tendência a ser muito abstrata nas minhas respostas, vou tentar trazer alguns dados também... A gente vai transitando entre abstrações e informações. Eu acho que teve um grande marco para mim. Bom, eu sou formada em dança no IFB. Esse foi um dos grandes momentos para mim de entender [que] sempre gostei de dançar, sempre gostei de criar. [Eu] Tenho uma primeira formação, uma primeira graduação, né... formação formal. A gente normalmente se apresenta, também, pelas instituições que a gente passa, né? Foi em Publicidade e Propaganda. Eu sempre rio quando eu penso nisso, mas que de alguma forma, depois pensando, isso também diz algo sobre mim, sobre essa vontade de entender essas questões de comunicar, né? de estar, de dialogar que são muito, enfim, frágeis também. Mas enfim, fechando parênteses. E aí um grande marco foi quando eu entrei no Instituto Federal de Brasília para fazer dança como uma possibilidade de pensar que isto pode ser uma carreira e pode ser algo. Eu posso trabalhar com isso. E aí esse foi um dos primeiros momentos [em] que eu acho que eu começo a, primeiro, aprender a exercitar questões que para mim eram muito separadas, que pra mim tinham ainda muito esse lugar de onde se pode se permitir ser mais criativa mesmo e aonde que é o momento do trabalho. E aí sempre foi uma questão mesmo... Essas questões se abrem e não se fecham... Acho que desde então [eu] começo a exercitar modos de entender mais uma vez como arranjar diálogos para entender que olha dá para eu criar contextos de profissionalizar isso, de saber falar e saber entender também. Entender não como algo fixo, mas saber como comunicar. E aí eu acho que depois, sem dúvidas, esse percurso da dança foi abrindo várias portas, várias questões, várias vulnerabilidades de me perceber não sabendo muito bem mais uma vez como me nomear. Tá eu danço, mas eu danço o que? Porque eu gosto de coisa esquisita, então você tem que ser bonita... E aí não, dança não tem que ser bonita.. por que o que é bonito né? Então essas perguntas todas vão se abrindo. E aí eu acho que no mestrado... Eu tô trazendo um caminho bem institucional... Acho que o mestrado, ele vem como um lugar que me ajuda, e foi na unb também. Bem, como um lugar que me ajuda a entender que dentro da institucionalidade eu posso dar voltas e olhar para as margens, para as coisas que normalmente vão se marginalizando. Então acho que foi um caminho [em] que eu consegui começar a me sentir mais... não sei se é segura, acho que segura a ser insegura, bem paradoxal. Adoro paradoxos... Sempre lutei muito pelos paradoxos. Inclusive o mestrado foi um lugar pra exercitar muito isso porque é um lugar que a gente vê muitos paradigmas, muitas questões que delineiam, delimitam um contexto E como que é tá lá dentro tentando abrir, dar cotoveladas e falar pera aí, mas a gente não pode também confundir? A gente não pode também... Não sei... Acho que é o exercício de muito ir e vir mesmo. E aí eu gosto da palavra chegar também porque, por mais que seja uma passagem, parece que ter esse caminho de… Dessa sensação de... Eu sinto, na verdade, que eu estou sempre chegando, eu tô sempre chegando... E é muito louco que para mim são sempre... É um outro começo se abrindo, assim... O que pode ser super interessante, pode ser às vezes meio frágil e aí é isso também... Lidar com isso... Mas eu sinto que, bom, esses dois caminhos foram bem importantes para mim que é quase que conseguir entender que eu precisei desse contexto um pouco mais institucional para dar vazão pras minhas marginalidades.

IP: Que bonito tudo isso. E é engraçado, porque depois eu vou ter que transcrever tudo isso e não vai parecer nenhum pouco com um entrevistador… Mas também é sobre isso… O que é que são as coisas… Estou ocupando este lugar… Como ele se convida a estar. Eu acho que na tua fala tem muita coisa interessante. Mas eu queria dar atenção a esse lugar da margem que você traz. A margem dos paradoxos... Antes de entrar nele eu quero te fazer um convite a exercitar uma coisa que eu tenho feito ultimamente, que tem me ajudado bastante a me perder e a me encontrar um pouco. Enfim, não é uma invenção minha, foi uma coisa que Eleonora Fabião me ativou a fazer, que é a decomposição das palavras. O que uma palavra pode dizer pra gente. E aí nesse momento agora, meio de suspensão, eu queria te convidar a decupar, decompor e ver o que que te fala a palavra AULA, mas para Jana de 15 anos.

JM: Eita! E aí essa decupagem tem alguma forma Inicial ou é livre a minha…?

IP: Bom, eu tenho feito letra por letra né. Então AULA, eu busco o que cada letra me diz dentro dessa palavra.

JM: Entendi. Jana de 15 anos... ainda tem que lembrar. A Jana tem uma memória péssima!

IP: Mas o corpo dela lembra. O corpo sempre lembra

JM: Com certeza… A Jana querendo fugir…Vou precisar de um tempo...

IP: Tudo bem! 

JM: Tô julgando!

IP: Eu acho super interessante esse exercício, porque... Principalmente nessa palavra, que tem sido a que tenho mais me debruçado, a letra U…  parece que eu não sei nenhuma palavra com a letra U...

JM: E a letra U foi a palavra que eu menos gostei aqui... Que eu falei caramba é isso? será que é isso mesmo? Bom sem me julgar eu vou compartilhar aqui. Talvez a Jana 15 anos sentia isso. Aula: Associação Única de Livros Abertos.

IP: Maravilha. Eu acho tudo! Eu tenho uma para compartilhar. Foi da semana passada. Aula: Anunciar (as) Urgências (que foram) Longamente Adestradas. Essa foi difícil de chegar, o U principalmente, mas ele veio. E aí eu acho que isso instaura para gente um lugar que me me abre uma porta para entrar em uma questão sobre o teu trabalho. Você tem todo esse trabalho colaborativo, de colaborações, de convites, de ajuntamentos e dentro disso eu queria te perguntar se você... Na verdade eu acho que tem muito a ver a minha pergunta com as duas questões que eu falei que ia levantar: das margens e dos paradoxos. Como que no seu trabalho você percebe a emergência ou acontecimento de práticas de aprendizagem, de práticas pedagógicas, sendo que não são trabalhos institucionalmente educacionais?

JM: Eu sinto que a primeira instância [é] da relação mesmo... Se relacionar é um processo de aprendizagem contínua. E é um processo de aprendizagem que aciona muitas vias porque... Eu sinto que... Aí para mim é uma coisa que é muito cara, assim, para mim é tentar sempre me perguntar quais são as... Mais uma vez voltando para aquela palavra lá da primeira cartela... Quais são as éticas que a gente está reforçando ou propondo ou quebrando com as relações que a gente vai criando? E aí é dentro de muitas instâncias... Assim, às vezes me sinto até pirando... Às vezes eu não penso, às vezes eu penso depois e falo caramba! Mas como que as pequenas relacionalidades que a gente vai criando ou impedindo que aconteçam são primeiro, um reflexo de projetos de educação que a gente vive, que a gente aprende a se se relacionar desde como eu me comporto em relação aos papéis, funções e nomenclaturas que a gente assume dentro de um projeto, [até] como que a gente aprende os rituais de operar durante os projetos. Eu tava agora conversando com uma amiga que eu fiz aqui ao longo dessa minha pequena estadia até então na Nova Zelândia que foi... Eu sinto que ela é tipo minha Salvadora. Porque ela... Eu conheci ela muito pouco antes da quarentena e quando aconteceu a quarentena aqui, [eu] tinha acabado de chegar e todos os potenciais trabalhos meio que ficaram em suspensão e eu não tinha não tinha bolsa, não tinha nenhuma entrada financeira. [Então] Eu fiquei em busca dessas desses editais de emergência. E todos eles que eu tinha achado aqui eram só para quem tinha residência permanente e [a minha] era cidadão... E para mim tá muito forte... Tô contando porque para mim esse foi um marco... Essa experiência até então tem sido uma relação de reconstruir... Aí eu coloco a educação, não sei se tem uma diferença de... eu sou leiga... usar a palavra pedagógico, educativo, mas para mim essa relação da educação do ser mesmo... Assim, primeiro, como eu tive que aprender a pedir, me ver vulnerável para pedir ajuda e entender que o meu modo de pedir ajuda poderia ser uma grande potência de gerar um contexto de a gente acionar outros modos de educar nossas relações, nossas profissões e educar o contexto de emergência também. E aí, tentando explicar... E aí eu lembro de virar para ela e falar assim... Mandar uma mensagem: Joana desculpa te pedir isso, mas você é a única pessoa mais próxima que eu tenho como uma figura de amizade - a amizade para mim, ela tem um lugar no papel educacional que é muito louco porque a gente aprende que a gente não pode ser amigo de quem a gente tá junto, criando, provocando... E eu sinto que os meus maiores momentos de aprender coisas, seja o que for, vieram num campo de afetividade - e aí eu falo para ela você é pessoa que eu tenho mais próxima de uma amizade eu queria te pedir uma coisa meio sensível. Assim… É que eu tô precisando muito de fazer alguma coisa que me gere algum recurso financeiro e eu não consigo entrar em nenhum edital já que eu não tenho cidadania... Como você mora aqui, você é cidadã daqui, você toparia inventar um projeto comigo? Eu posso fazer o que for do trabalho... Enfim... Mas só preciso de alguém que me ajudar assinando mesmo. Foi bem cara de pau e ela foi super querida, super não, vamos vamos pensar juntas. E acabou que a gente começou a virar uma grande colaboração. Até então, desde março, a gente vem colaborando junto em várias outras coisas. E aí, dentro desse processo específico desse projeto que nasceu de uma emergência do contexto, a gente começou a perceber o como a gente aprendeu a dançar muito diferente, [o como] entende[emos a] dança muito diferente uma da outra e ao mesmo tempo tem um campo muito comum de ética mesmo, de querer muito criar contextos de questionamentos específicos. Só que o modo que a gente faz isso é muito diferente. E aí como a gente tinha proposto um lugar onde as duas estariam meio que coordenando esse acontecimento a gente ficava muito nessa preocupação... E às vezes nessa dúvida de como falar uma para outra tipo Olha não sei sabe não sei se eu concordo até porque culturalmente tinha esse outro fator. Aqui a cultura não é muito aberta para dar feedbacks. Eles levam muito para o pessoal. Isso é muito claro. Isso é uma coisa que todo mundo fala. Inclusive todo artista vira e fala é porque se a gente critica, vai ser entendido como estar falando mal. Então é melhor não falar. Tem uma cultura do é melhor não falar. E a gente vai tentando não só quebrar, porque também não é só chegar e falar que tem que falar tudo, mas também entender como a gente [pode] se reeducar nesse novo contexto para primeiro permitir ser sincera [uma com a outra], ter dúvida juntas e entender que isso é um processo educacional, e esse processo de se perguntar junto  não é só possível, como é importante. E aí não sei... Eu fico tentando ver e acho que é uma coisa que se repete nos meus processos: é o como a gente faz perguntas juntos e como a gente entende que não precisamos correr para uma resposta, mas como a gente vive essa pergunta, esse problema como uma questão que impulsiona outros caminhos e outros formatos de relação. E acho que a relação de novo vem como o campo para que os aprendizados aconteçam. Eu sei que eu falo muito, desculpa, mas só uma outra coisinha que me veio também que eu acho que eu sempre falo. É uma fala que eu ecoo do Gabriel Guirá... Ele me falou da palavra entendimento... De onde é a origem da palavra entendimento... E entender para mim tá muito vinculado à educação... Acho que na educação a gente procura tá sempre entendendo as coisas... Eu sempre tinha muito essa coisa cerebral de entendimento, de racionalizar as coisas... Para você entender uma coisa você tem que entender [que] a definição daquilo é isso e você se apega... Não sei... Posso tá falando besteira, mas eu sempre tinha afetivamente essa relação. E aí ele me traz uma imagem que eu acho linda, que é do entender... Ele nasce da palavra... A raiz da palavra entender tende é de tensão, tensionar. E tem esse primeiro [lugar] que já vem da tenção né? Tensão que é uma palavra que a gente já acha Ai meu Deus vamos evitar momentos de tensão e segundo que é uma palavra que é ação, que vem de uma corporalidade e corporeidade dessa palavra que é de quando as tecelãs... E aí de tecer também... As tecelãs vinham com essa ação em coletivo né em colaboração em que cada uma sentava de um lado puxando o fio, a trama e entendendo pela sensação do tensionar, como emaranhar, como tramar essa colcha material que está sendo feita... Porque se elas param de tensionar juntas, de escutar essa atenção que elas criam, ela [a colcha] emaranha... Ela vira nó... Não que o nó tem que ser evitado, mas acho que o nó é mais potente quando a gente o ata por algum motivo, ou quando a gente olha para esse nó para entender outros caminhos. Mas enfim, aí agora já estou viajando sobre o entender... Mas enfim essa imagem para mim é muito potente... Ela diz muitas coisas sobre caminhos que eu tento viver.

IP: E aproveitando mais essa pausa, você que está lendo essa entrevista agora, ou está assistindo esse vídeo… Isso que a Jana falou está no artigo que escrevemos juntos: Peixe-pescado [escrever a prática, processos de composição da escrita performativa], lá na revista DAPesquisa. Então joga aí no google “peixe-pecado dapesquisa”, acho que você vai gostar desse texto!

JM: Adoro! Momento merchan!

IP: Sempre! Elas fazem os merchans delas! Mas eu acho muito… Muito potente tudo isso que você tá falando porque me lembra... me lembra não. Eu acabei de ler... Tipo, antes da gente começar a conversar eu tava terminando de ler um texto da Virgínia Kastrup, uma das pessoas, uma das pensadoras que eu tenho me relacionado nos últimos tempos e nesse texto ela fala exatamente sobre esse lugar da aprendizagem e do papel do professor. E aí eu queria ler uma passagem que é bem no final do texto e eu acho que tem muito haver com isso que você colocou, muitas coisas na verdade tem a ver com ela, mas ela vai ela diz assim: 

Não há uma forma-mestre, mas momentos em que as subjetividades do professor e do aluno se encontram. Por isso insisto que a discussão sobre a formação do professor não pode abrir mão da questão da política cognitiva que praticamos. [...] No campo da invenção, nada está garantido. Nada é desde sempre nem para sempre. Também não há um método único nem receitas infalíveis. O desafio não é capturar a atenção do aluno para que ele aprenda, mas promover nosso próprio aprendizado da atenção às forças do presente. (KASTRUP, 2005, p. 1287)

E aí ela termina dizendo que:

ensinar é, em grande parte, compartilhar experiências de problematização. [...] O caminho é de um aprendizado permanente. Trata-se de um processo lento, marcado por idas e vindas, mas só ele possibilita a criação de uma política cognitiva da invenção. (KASTRUP, 2005, 1287)

 E aí eu acho muito potente isso no que você coloca assim do seu trabalho, por conhecer o seu trabalho, por trabalhar com você também várias vezes porque eu acho que tem uma potência muito grande para a gente repensar o espaço da escola. Muitas vezes é exatamente nesse lugar do entender que você colocou no começo. O entender racional, da transmissão, da palestra de 4 horas... Quando na verdade a gente podia compartilhar esse espaço, essa vulnerabilidade para o encontro, pro tensionar, pro problematizar, para acessar as margens... Nos marginalizar um pouco... Aí vem polêmicas... Mas tudo bem. E nisso, eu acho que, pensando nesses dois lugares, o que você coloca, esse lugar institucional da escola que parece aparentemente, entre aspas bem abertas e fechadas, que eu acredito que não é bem por aí, mas que socialmente é visto como este lugar que esse espaço da tensão não pode acontecer, como que a arte pode produzir conhecimento?

JM: Aí é louco, né? Porque eu acho que até pensar nessa situação da produção do conhecimento é muito... Uma loucura... A gente está em busca de produzir conhecimento e isso já é um reflexo da nossa... tô viajando, pensando em voz alta aqui. Mas é um reflexo da nossa... Que a gente aprende que a gente tem que produzir o tempo inteiro, inclusive conhecimento. E aí eu fico pensando que... Não sei... Numa associação bem livre que eu adoro fazer, sem referência alguma, com várias ao mesmo tempo, que conhecer é encontro. O conhecer para mim ele vem a partir do encontro: se encontra algo que você conhece e aí de tanto você conhecer e voltar para aí, você vai reconhecendo... Conhecendo de novo. E às vezes identificando semelhanças, outras vezes percebendo “nossa não tinha visto isso aqui antes”. Eu acho que para mim tá muito mais nesse campo... O conhecimento… A arte para mim... Eu acho que ela é muito potente para provocar essas questões,  porque pra mim, na verdade, [eu] acho que [a arte] já é um conhecimento. Como na verdade a vida já é cheia de vários conhecimentos e reconhecimentos. E aí, mais uma vez essa coisa de exercitar como primeiro, talvez, arranjar, nomear, chamar as coisas... E aí eu me questiono também, que é uma coisa [que] para mim tem sido muito... tem estado muito mais presente agora, [são] essa relação também:  a gente chama ao conhecimento as coisas ou as coisas me chamam a conhecê-las né? E acho que nenhum nem outro... Mas acho que nesse campo, mais uma vez [é sobre] transitar entre aonde a gente deixa, aonde a gente se permite dar atenção para que um conhecimento seja reconhecido. Porque eu sinto que já está aqui. E claro que a gente tá inventando também... Então acho que mais uma vez o paradoxo acontece: que ao mesmo tempo que já é, ele [o conhecimento] é algo que ainda está a ser, [a] se reconstruir. E aí eu tô viajando de novo... Desculpa, mas eu sinto que primeiro eu dei a volta e aí não te respondi, mas porque eu fiquei me perguntando dessa coisa de produção, que eu acho que é uma palavra mesmo que permeia tanto a educação, quanto a arte, quanto o nosso sistema todo, né? A gente é um sistema de produtividade, sistema mercantilista, capitalista, whatever... Mas fico me perguntando talvez se... Primeiro eu sinto que para mim me encanta, me acolhe pensar cada vez mais como gerar outras ecologias mesmo... Outros modos de entender esse relacionar-se com o conhecimento e talvez dar espaço e tempo para que a gente possa mais uma vez inventar, associar questões... Eu gosto muito dessas palavras que são mais articuláveis... Como que a gente articula os conhecimentos? Como que a gente pode contar ou cantar, Como Larrosa diz, sobre as nossas experiências? E [é] isso [que] gera a elaboração, o labor do conhecimento e... Só que ele é aberto porque aí, por exemplo, eu venho com uma questão que é uma verdade e aí eu me sou confrontada com uma outra verdade e aí eu... Não é uma questão muito de escolher com qual eu fico, mas como eu permeio e transito entre essas verdades e deixo elas virarem outras coisas também. Ou não... Às vezes ela tem que se fincar um pouco mais forte... Não sei... 

IP: Maravilha. nesse momento eu te convido mais uma vez a refazer a nossa decupagem só que dessa vez para Jana de hoje.

JM: Já tinha até escrito a palavra aqui antes! Eu tava com vontade de fazer de novo 

IP: Chegou o momento. Este é o momento!

JM: O U é…

IP: O U é o mais difícil se quiser colocar uma palavra em inglês também... Pode ir transitando entre os idiomas.

JM: vou demorar... tá, vamos lá Articulação Ultra-pluralizada de Lógicas Apaixonadas.

IP: Que bonito! Eu acho tudo, acho tudo! Super! Eu gosto muito desse lugar da paixão, assim, pra pensar a aula. Porque a paixão tem esses dois lados: tanto desse calor de estar apaixonado, quanto pathos, né? A dor da paixão.. E acredito que é sempre essa tensão que precisa estar acontecendo. Ela gera uma atenção especial. E adoro fazer isso, porque.. enfim.. Fico dias pensando em qual vai ser a palavra do U.. Até que chega um momento em que ela vem.

JM: Adoro que tem esse momento de tensão mesmo.

IP: Super! E aí às vezes… Teve uma das definições que surgiram que foi no banho.. Eu no banho assim, lavando o cabelo e de repente a aula… Terminei rapidão, fui lá e anotei. Eu acho mágico porque aí a palavra, ela começa a te dar significados que estão para além do significado do dicionário.

JM: Nossa, eu estou apaixonada nisso! Inclusive vou roubar!

IP: Roubo ou homenagem! E se você quer saber o que é um roubo-homenagem, vá ler nosso artigo “peixe pescado [escrever a prática, processos de composição da escrita performativa] na revista DAPesquisa qualis B1... Tá bom, academia? 

JM: cheio das propagandas essas pessoas

IP: Tem que ser né. Bom... E para direcionar o final da nossa conversa, eu queria retomar o nosso card Inicial, com as duas palavras: ajuntamento e ética. Eu fiquei pensando um pouco sobre ao longo do caminho, te escutando, de como essas operações esses modos de… Já ia falar produção, mas não vou falar essa palavra. Modos de conviver, eu acho que também está nesse lugar do convívio, como elas ressoam pra além desse lugar recortado do fazer artístico? Eu acho que para você isso [esse] é um lugar que já está borrado... um lugar que, enfim, transita né... arte vida, vida e arte. Mas talvez algumas pessoas possam pensar ainda nessas categorizações, né? escola, arte, vida, os papéis sociais muito bem definidos. Então, como que essa ética das colaborações, se é que a gente pode chamar assim, como que elas propõem outras éticas de convívio... ecológicas políticas e estéticas pra além dessa atmosfera nefasta que a gente tem hoje circulando no mundo?

JM: Eu acho que para mim, nos meus caminhos elas têm sido esse ponto. E aí vou trazer de novo a margem, só para usar as palavras que vieram hoje. A margem como esse espaço, é uma fronteira né? Um lugar de troca mesmo, onde a troca acontece, onde guerras também acontecem… Um paradoxo imenso, por que é também o lugar onde [se] está à beira de algo né?, a beira do rio, de um mar para dar um mergulho, enfim... Podem ter várias imagens que vão sendo associadas, mas eu sinto que essa ética das colaborações nos meus caminhos tem acionado muito, primeiro, [a] possibilidade de olhar para as coisas e de ter tempo de conviver com coisas que talvez eu não não conviveria ou de um modo, de uma perspectiva que eu não conviveria. Acho que ela abre espaço para diálogos acontecerem né? Para trocas, para... para... Enfim, me perdeu a palavra, mas eu sinto, por exemplo, aí bem prático, assim... Eu acho que eu comecei a ficar cada vez mais interessada em experimentar convites aonde não preciso tá lidando com alguém que se nomeia artista em contextos, lugares, muitas vezes até programações - vamos dizer assim -  onde não necessariamente é arte, que é o que agencia como primeira instância o acontecimento. Então, por exemplo, no próprio trabalho que a gente fez junto do diaita, eu acho que ter uma conversa muito aproximada de alguém da nutrição que aí vem uma área que é muito específica, que eu não tinha conhecimento, e dar espaço e tempo para que a gente troque, não vou nem dizer de igual para igual, mas troca de desejo para desejo mesmo, de conhecimento para conhecimento, dar espaço para que o olhar e a perspectiva, o background cada um possa ser o próprio material de articulação, eu acho que tem sido uma grande ética da colaboração, uma grande potência que transborda os espaços artísticos. E aí que me faz pensar o quanto todas as outras instâncias elas são composicionais, né? Eu acho que a questão, é que dá para se ter pensamento artístico, e por que não se exercitar o pensamento artístico das outras instâncias, assim como a gente vive tendo que exercitar outras instâncias dentro do pensamento artístico. Então porque não aprender com contextos que a gente acha que são mais duros e perceber que na verdade eles tem muita poesia e que a gente não é o quem vai resgatar o estado sensível das pessoas! Que tem muita sensibilidade já acontecendo. Como olhar para isso e deixar com que essas... outros modos mesmo, essas ecologias possam tanto ensinar, mais uma vez, né? E é sempre algo muito duplo que acho que não tem muita separação no movimento de agora eu aprendo, agora eu eu ensino... Acho que é muito confuso mesmo, deixar fundir mesmo essa... Essa... Essa relação aonde eu realmente não sei mais o que que é espaço de arte mesmo. Acho que para mim qualquer mídia, qualquer ferramenta, qualquer instância... E começar a pensar mesmo. Isso é uma coisa que vem dentro do próprio âmbito das artes... Que eu acho que eu flerto muito com muitas artistas visuais... Que é de se permitir ser obcecado, ser obsessivamente... em busca de um detalhe, de um acontecimento e entender que isso pode ser a grande coisa, a grande pista né? Como que é você brincar com essas inserções aí propagandísticas dentro de um dentro de um... De um formato de uma entrevista para academia, como que isso é um performatizar a partir de elementos que são de outros Campos... Mas você traz isso com o olhar performativo, olhar do performer para jogar mesmo com essas estruturas. Então... Não sei, acho que até me perdi um pouco na resposta, mas é sobre isso também. Mas acho que é isso: acho que a ética da colaboração tem me permitido escutar e dar a ver e cheirar e comer as outras instâncias, as outras relações e me permitir ter espaço em lugares que às vezes eu não teria. Ou espaços que eu já tenho convivência mas eu dou como se fala em inglês take for granted, dou como já dado. Então pô, ali não é um lugar de fazer arte. Porque não? Você já tá fazendo! É só uma questão de se reposicionar... Enfim... tô falando Dando volta na mesma coisa.

IP:  Bom, eu acho que a gente pode encerrar por aqui. Antes de encerrar eu queria pedir para você falar uma palavra para esse momento, uma palavra de fé pras pessoas.

JM: Eu tô com essa palavra já algum tempo então vou falar ela: encantamento.

IP: Encantamento… Encantamento... Uma bela palavra, uma ótima palavra! Mas não vou falar sobre ela porque depois eu vou ter que transcrever tudo isso. Você que está lendo isso agora, isso foi transcrito. Eu acho ótimo, pensar nessa relação de que tudo que eu to falando agora vai estar no papel.

JM: Alguém vai ler!

IP: Alguém vai ler… O que você está achando dessa leitura? Que tal você também decompor a palavra aula para compor conosco?

JM: Envia pra gente no nosso email!

IP: peixepescado@gmail.com. É… Enfim… Pra além de todas as… os desvios humorísticos desse encontro (Desculpa Marcos Mota, eu sou assim)… Pra além de tudo isso eu quero agradecer, Jana, a tua presença, a tua abertura para compartilhar um pouco, para se jogar um pouco nesse nesse rio que foi a nossa conversa, né?

JM: Eu que te agradeço demais! Nossa... sempre um presente poder trocar. Por mim a gente ficava ainda mais 2:00 horas! Coitada das pessoas que vão ler.

IP: Se você quiser a parte 2, manda um email para gente! 

JM: Mas é... Para mim é sempre muito rico, é muito importante ter esses tempos de se permitir pensar junto mesmo. Eu acho que para mim sempre quando eu converso com você é essa sensação que me fica... Assim... Tipo nossa que nutrição, mesmo! A gente poder pensar em voz alta junto aqui, articular as relações Ultra pluralizadas das lógicas apaixonadas que a gente vive.

IP: Sim, é sempre um grande encantamento. Gostei dessa palavra: encantamento… É isso, a gente vai ficando por aqui, vou encerrar a gravação.

JM: beijo gravação


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