Auto apresentação Manuela Castelo Branco
Manuela Castelo Branco
casteloembranco@gmail.com
Relatar a si é sempre um risco. Risco de trazer elementos que não mais dialogam com o que sou, ou de esquecer de trazer à luz algo importante sobre mim agora, porque sempre tem aquela porção de coisas indizíveis sobre a gente... E ademais, nossa consciência sobre si está sempre em processo. Mesmo assim, sinto que devo falar um tanto sobre o que já fui.
No geral, as pessoas me conhecem como a palhaça Matusquella. Com mais de 20 anos de profissão, criei e coordenei o Encontro de Palhaças de Brasília – Festival Palhaças do Mundo, uma mostra internacional composta essencialmente por palhaças que existe desde 2008, e foi se estendeu até 2019, em Brasília. Sou também a fundadora e gestora da CiRcA Brasilina, o primeiro picadeiro feminista do Brasil, que iniciou suas atividades em 2011 e realiza muitos projetos centrados no protagonismo feminino em diversas linguagens artísticas ( palhaçaria, literatura, poesia, música e audiovisual).
Me formei em Artes Cênicas na Universidade de Brasília em 2001. Nessa época eu já era palhaça e mesmo me formando num curso de licenciatura senti a necessidade de um espetáculo de formatura como o exigido ao bacharelado. ID.Entidade(S) era o resultado de minhas investigações sobre palhaçaria e identidades culturais brasileiras até aquele momento. Nesse período minha palhaçaria tentava se encontrar nas folias de reis, nos rodeios e picadeiros, nas festinhas de aniversário e nas propagandas de fast food, mas também nos arquétipos cômicos do mamulengo e da commedia dell'arte.
O que pouca gente sabe é que tenho uma formação em dança contemporânea, com foco na técnica do Contato e Improvisação, o que sempre têm me dado enorme subsídio no relacionar-se com a cidade e com as pessoas na rua - um lugar de frequente ocupação por parte de Matusquella. E sinto que isso é como um segredo que gostaria de reiterar... Que na minha base como palhaça, para além do Lume Teatro e de Sue Morrison, tem o Contato e Improvisação. Estudei com Giovane Aguiar, Alito Alessi, Jordi Cortez Molina, Dudude, Camilo Vacalebre, Tica Lemos, entre outros e outras. E com José Regino, Leris Colombaioni, Domingos Montagner e Fernando Sampaio, Karla Conká, Gabriela Munoz e Felícia de Castro, mestres e mestras palhaças.
Comecei a estudar viola caipira
em 2003 com Roberto Corrêa, e fui até 2010. Quase fui concertista... Durante esse percurso tocava viola e cantava numa dupla chamada Caipira e Caipora, com Rosana Loren. A gente fazia humor, e música. Lembro com orgulho do dia que abrimos o show de Inezita Barroso e que posteriormente fiquei com o corpo doído por uma semana em função de tantas tensões, emoções, medos e o nervoso. Tudo junto. Sempre tive facilidade com a linguagem musical e toco uma porção de instrumentos.
Fui professora de artes dramáticas na Escola de Música de Brasília entre os anos de 2008 a 2018, dirigindo óperas e musicais, bem como dando conta de toda a grade de Corpo e Movimento e de Expressão Corporal da supracitada escola. E como estudei sobre ópera... Canso só de lembrar. Estudei tanto que em 2016 concluí o curso de mestrado na Universidade de Brasília com o tema Palhaçaria e Ópera, relacionando as duas linguagens artísticas a partir da obra Pagliacci de Ruggero Leocavallo - nessa ópera a personagem Nedda, comediante, partner e companheira do dono de companhia de comediantes é assassinada em cena, e em plena função artística por Cânio, o palhaço e responsável pela trupe. O fundamento verista desta obra me fez refletir sobre os percursos históricos das mulheres palhaças e das máscaras cômicas femininas através dos tempos no circo, teatro, circo-teatro, bem como na ópera cômica. Assim, minha pesquisa até esse momento se relacionava e se identificava muito fortemente com teorias feministas, sobretudo pela perspectiva da comicidade e das palhaçarias desenvolvida por mulheres.
Contudo, quero destacar em minha trajetória o projeto Pipocando Poesia, uma vitrine poética viva, onde, inclusive, podia falar meus próprios poemas no meio da rua, e vivia a ouvir os poemas dos outros em troca de sacos com pipocas divertidas e deliciosas interações. Esse carrinho de pipocas me ensinou tanto. E me fortaleceu no sentido de escrever. Ter uma produção literária era meu sonho de infância. Daí que publiquei alguns
livros de poesia como: ESPELHOS DA PALAVRA - 1998, versão bilingue
(espanhol/português - PROJETO SUR), o ANUÁRIO DE ESCRITORES - 2002, e
MultiFÔRm(AS) – 2005. E ainda peças de
teatro como: MUNDO NOVO VIDA NOVA (registrada na ANE), MEU CERRADO, CERRADINHO
– 1995, e DA PAZ - 2010. Mais recentemente tenho publicado artigos em revistas acadêmicas, ou não, como a Revista Palhaçaria Feminina, organizada por Michelle Silveira, sempre com temas relacionados às palhaçarias feitas por mulheres.
A partir de 2016
radicalizei minha experiência junto a linguagem audiovisual, dirigindo, gravando e editando o seriado Palhaças do Mundo, junto com Fabiano Morari e Leudo Lima. O seriado, hoje com duas temporadas ( 24 vídeos) integrou a programação do canal Hysteria (Conspiração Filmes) em 2018, bem como entrou na grade de programação do
canal SESCTV no mesmo ano. Mas a verdade é ele tem me feito viajar e circular o país unindo exibições a uma
série de debates em festivais de teatro e circo. A essa produção vem
se somar a série de vídeos Bololôs,
Transbordamentos e Outras Poéticas Palhaças, que coroaram minha pesquisa de
mestrado. Em 2018 editei e dirigi a fotografia do
projeto Negra Luz – Mapeamento de
Artistas Negras do DF, com direção de Maria Cleudes Pessoa e Priscila Francisco Pascoal.
Em 2017 recebi o I Prêmio Igualdade de Gênero na Cultura, outorgado pela Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal, pelo destacado trabalho dentro da chamada palhaçaria feminina e pela promoção da protagonismo da mulher na arte.
Acontece que agora, revendo o percurso, e tentando dar voz ao meu inaudito interior, recuperando, ressoando e amplificando murmúrios, vejo minha pesquisa flertando com os temas comicidade e gênero por uma outra perspectiva. Mas não uma nova perspectiva. Como que rodeada todo o tempo dele, sem conseguir imergir ao centro, tenho buscado me acostumar a falar de um lugar que traz um desafio pessoal ao me relatar. Enquanto uma "mulher-menina-macho", lésbica e palhaça, me volto às vozes que ainda ficaram ecoando dentro do armário, buscando e acolhendo as multidões queer (Preciado: 2011) que, em mim, conversam. E com as quais anseio me aprofundar. Assim, minha pesquisa agora se orienta a investigar relações entre comicidade e o pensamento queer, suas tecnologias de insurgência, maleabilidade e resistência. Planejo uma série de entrevistas com pessoas, investidas de seus corpos e "corpas" artísticxs, engajados em suas dramaturgias particulares desde suas práticas cômicas ou circenses. Planejo também uma revisão bibliográfica sobre os temas supracitados. E, no mais, me coloco sinceramente pra jogo.
Aqui alguns links de vídeo:
Teaser II Temporada Palhaças do Mundo.
Entrevista com as manas do Circo di SóLadies
Um dos vídeos da série Bololôs, Transbordamentos e Outras Poéticas Palhaças.

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